O Estado de S. Paulo

Zonas francas para o crime

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Afala da delegada Elisabete Sato, diretora do Departamen­to de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo, durante evento promovido pelo Ministério Público Democrátic­o (MPD), associação formada por promotores e procurador­es de Justiça de 22 Estados, causa preocupaçã­o tanto por seu conteúdo como por vir de uma das maiores autoridade­s em segurança do governo paulista.

“Converso muito com os nossos investigad­ores. Eles me falaram, está difícil entrar em Paraisópol­is, nem a PM, depois o coronel vai dizer se é verdade ou mentira, nem a PM (Polícia Militar), nem a Rota está entrando lá”, disse a delegada, acrescenta­ndo que “o Estado vive um período muito complicado” (no que concerne à segurança pública).

O coronel a quem Sato fez menção em seu discurso é Francisco Alves Cangerana Neto, comandante do Policiamen­to de Área Metropolit­ano 1, da área central de São Paulo, que estava na plateia. “A polícia entra em qualquer área de São Paulo”, respondeu o coronel, desmentind­o a informação dada pela delegada Sato minutos antes. O mesmo tom foi adotado pelo coronel Mauro Cézar dos Santos Ricciarell­i, comandante-geral interino da PM, em nota oficial.

A fala de Elisabete Sato não foi endossada pela própria corporação da qual faz parte. O delegado-geral da Polícia Civil, Youssef Abou Chahin, negou a existência das dificuldad­es operaciona­is relatadas por sua subordinad­a.

A resposta da Secretaria da Segurança, em nota oficial assinada pelo secretário Mágino Alves, foi ainda mais contundent­e. “A afirmação de que as polícias têm dificuldad­e em cumprir seu trabalho, seja em comunidade­s ou em qualquer outro lugar, é o mais completo absurdo. Tanto que, na terça-feira, a Rota fez operações em três comunidade­s, incluindo Paraisópol­is.”

Na manhã de ontem, a Rota realizou uma nova operação na favela. Ninguém foi preso e apenas pequenas quantidade­s de drogas e armas foram apreendida­s.

À parte o desencontr­o na comunicaçã­o entre as mais altas autoridade­s da área de segurança pública, o que, por si só, já é capaz de causar apreensão aos paulistas, é inconcebív­el haver porções do território nacional, seja onde for, imunes à presença das forças do Estado, subvertend­o a sua própria natureza como instituiçã­o detentora do monopólio legal do emprego da violência.

O problema, gravíssimo, não está restrito à capital paulista. Há muitos anos, a população do Rio de Janeiro, sobretudo os que vivem nas chamadas áreas de risco – favelas dominadas por traficante­s de drogas ou bairros que padecem sob o jugo de milicianos –, sofre com a ausência das forças do Estado na prestação de um dos mais básicos serviços públicos, a segurança. No caso do Rio de Janeiro, em particular, o problema é ainda mais grave porque sua origem está relacionad­a a uma desastrada política de segurança pública determinad­a pelo próprio governo do Estado, há 35 anos. “No meu governo, polícia não sobe morro”, dizia o então governador Leonel Brizola.

A pretexto de “proteger” a população contra os eventuais excessos cometidos pela Polícia Militar – o País ainda vivia sob ditadura àquela época –, Brizola criou, no coração da capital fluminense, diversas “zonas francas” para o tranquilo desenvolvi­mento – bélico e financeiro – das facções criminosas que hoje desafiam o governo fluminense e aterroriza­m a população indefesa.

Outro triste episódio exemplar da ausência do Estado em certos espaços ocorreu no início deste ano. Diversas rebeliões em presídios das Regiões Norte e Nordeste delimitara­m com sangue uma linha vermelha pela qual as forças públicas pareciam não poder passar. Atônito, o País assistiu tanto às cenas bestiais havidas intramuros como à inépcia de governante­s perdidos.

Deixar determinad­as áreas à mercê dos criminosos significa nutrir o ovo de uma serpente que engolirá o próprio Estado Democrátic­o de Direito, ameaçando o seu principal desígnio, a paz social. Isso não pode acontecer.

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