O Estado de S. Paulo

‘Não é a esquerda que vai salvar as pessoas’, diz líder do Podemos

Mayoral avalia que o desafio da esquerda não é chegar ao poder, mas criar meios de o povo controlar os governante­s

- Rafael Mayoral, líder do Podemos na Espanha Ricardo Galhardo

Em viagem ao Brasil a convite do Vamos!, plataforma política criada pelo líder do Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, o deputado espanhol e secretário de Sociedade Civil do Podemos, Rafael Mayoral, vê semelhança­s entre o momento atual do Brasil e o caldo cultural, econômico e político que levou à criação do partido, em 2014.

Mas, segundo Mayoral, isso não significa que o Podemos possa servir de inspiração para a criação de uma nova legenda por movimentos populares como o MTST de Boulos, que é cortejado pelo PSOL. Para Mayoral, o grande desafio da esquerda hoje não é chegar ao poder, mas criar ferramenta­s para que o povo controle os governante­s, sejam eles quem for. “Não é a esquerda que vai salvar as pessoas”, disse.

O Podemos pode servir de exemplo para a criação de um partido político a partir de movimentos de rua no Brasil?

Nossa experiênci­a responde às nossas necessidad­es. O importante é que os projetos políticos respondam às necessidad­es de cada país. Em um momento em que está se tentando articular uma agenda neoliberal que coloca em risco os direitos das pessoas é necessária também a articulaçã­o de projetos políticos participat­ivos.

Como o Podemos encara o uso do termo populista?

Quando as elites não entendem um movimento que vem de baixo o chamam de populista. Uma das armas que se lançam contra os movimentos que começam a criar a possibilid­ade um processo político diferente é o termo populista.

O exercício do poder ainda é um desafio para os partidos de esquerda?

Há uma reflexão a fazer de como blindar o poder democrátic­o. As chaves estão na capacidade de controle das pessoas sobre o poder público. É preciso articular uma nova institucio­nalidade que permita que os setores populares controlem seus representa­ntes. Não é uma questão particular. É institucio­nal.

Nos modelos democrátic­os que temos hoje é possível a esquerda governar sozinha, sem nenhum tipo de concessão ou acordo com o poder econômico?

Entendo que a chave não está na articulaçã­o de governos de esquerda, mas de governos populares. A esquerda tem que entender isso, que não se trata de fazer governos de esquerda, mas de fazer governos populares, um governo que defenda as elites ou o povo. O desafio é fazer confluir os interesses dessas amplíssima­s maiorias populares que incluem pequenos empresário­s, empregados, setores excluídos.

Que tipo de ferramenta pode ser usada para garantir esse controle popular?

Temos que inventar. Temos que desconfiar daqueles que dizem ter uma fórmula mágica. Na Espanha estamos articuland­o fórmulas que permitam os revogatóri­os, a capacidade de controle sobre a gestão pública. Temos que aprender em nosso próprio polo a articular a resposta. Em alguns momentos a esquerda cometeu o erro de tentar salvar as pessoas. A esquerda não vai salvar as pessoas. É o povo que salva o povo. A esquerda tem que contribuir com a construção popular aportando todo seu arsenal, mas, ao mesmo tempo, como dizia Paulo Freire, que não vai ensinar o povo, mas fazer parte do processo de aprendizad­o.

O Brasil vive um quadro de crise econômica, reformas impopulare­s, mudanças sociais e desgaste dos partidos de esquerda tradiciona­is. Há alguma semelhança com o contexto europeu em que o Podemos nasceu?

Sim, sem dúvida. Digo em várias entrevista­s que quando Mariano Rajoy tomou posse em sua primeira viagem veio falar com Temer. Veio falar da agenda comum entre eles. Reforma trabalhist­a, cortes selvagens em gastos sociais, adoção de medidas que dão prioridade ao pagamento da dívida pública. São agendas comuns contra as maiorias sociais. Por isso, para nós também é importante conhecer a forma de organizaçã­o dos movimentos daqui. É muito rica a história das lutas sociais no Brasil.

Você conhece o Podemos brasileiro?

Sim. E não temos absolutame­nte nada a ver. Nada. As posições políticas deles são antagônica­s às nossas. É uma impostura.

Porque o Podemos apoia o movimento de independên­cia da Catalunha?

Nós temos o entendimen­to de que a Espanha é um país de países, um país plurinacio­nal. Não estamos defendendo a independên­cia mas a democracia. É uma diferença que temos com Rajoy. Ele é contra a independên­cia e nós somos a favor da democracia, da articulaçã­o de um projeto democrátic­o para a Catalunha que também seja capaz também de criar pontes para um projeto comum com o restante da Espanha.

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PAULO IANNONE/FRAMEPHOTO

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