‘Não é a esquerda que vai salvar as pessoas’, diz líder do Podemos
Mayoral avalia que o desafio da esquerda não é chegar ao poder, mas criar meios de o povo controlar os governantes
Em viagem ao Brasil a convite do Vamos!, plataforma política criada pelo líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, o deputado espanhol e secretário de Sociedade Civil do Podemos, Rafael Mayoral, vê semelhanças entre o momento atual do Brasil e o caldo cultural, econômico e político que levou à criação do partido, em 2014.
Mas, segundo Mayoral, isso não significa que o Podemos possa servir de inspiração para a criação de uma nova legenda por movimentos populares como o MTST de Boulos, que é cortejado pelo PSOL. Para Mayoral, o grande desafio da esquerda hoje não é chegar ao poder, mas criar ferramentas para que o povo controle os governantes, sejam eles quem for. “Não é a esquerda que vai salvar as pessoas”, disse.
O Podemos pode servir de exemplo para a criação de um partido político a partir de movimentos de rua no Brasil?
Nossa experiência responde às nossas necessidades. O importante é que os projetos políticos respondam às necessidades de cada país. Em um momento em que está se tentando articular uma agenda neoliberal que coloca em risco os direitos das pessoas é necessária também a articulação de projetos políticos participativos.
Como o Podemos encara o uso do termo populista?
Quando as elites não entendem um movimento que vem de baixo o chamam de populista. Uma das armas que se lançam contra os movimentos que começam a criar a possibilidade um processo político diferente é o termo populista.
O exercício do poder ainda é um desafio para os partidos de esquerda?
Há uma reflexão a fazer de como blindar o poder democrático. As chaves estão na capacidade de controle das pessoas sobre o poder público. É preciso articular uma nova institucionalidade que permita que os setores populares controlem seus representantes. Não é uma questão particular. É institucional.
Nos modelos democráticos que temos hoje é possível a esquerda governar sozinha, sem nenhum tipo de concessão ou acordo com o poder econômico?
Entendo que a chave não está na articulação de governos de esquerda, mas de governos populares. A esquerda tem que entender isso, que não se trata de fazer governos de esquerda, mas de fazer governos populares, um governo que defenda as elites ou o povo. O desafio é fazer confluir os interesses dessas amplíssimas maiorias populares que incluem pequenos empresários, empregados, setores excluídos.
Que tipo de ferramenta pode ser usada para garantir esse controle popular?
Temos que inventar. Temos que desconfiar daqueles que dizem ter uma fórmula mágica. Na Espanha estamos articulando fórmulas que permitam os revogatórios, a capacidade de controle sobre a gestão pública. Temos que aprender em nosso próprio polo a articular a resposta. Em alguns momentos a esquerda cometeu o erro de tentar salvar as pessoas. A esquerda não vai salvar as pessoas. É o povo que salva o povo. A esquerda tem que contribuir com a construção popular aportando todo seu arsenal, mas, ao mesmo tempo, como dizia Paulo Freire, que não vai ensinar o povo, mas fazer parte do processo de aprendizado.
O Brasil vive um quadro de crise econômica, reformas impopulares, mudanças sociais e desgaste dos partidos de esquerda tradicionais. Há alguma semelhança com o contexto europeu em que o Podemos nasceu?
Sim, sem dúvida. Digo em várias entrevistas que quando Mariano Rajoy tomou posse em sua primeira viagem veio falar com Temer. Veio falar da agenda comum entre eles. Reforma trabalhista, cortes selvagens em gastos sociais, adoção de medidas que dão prioridade ao pagamento da dívida pública. São agendas comuns contra as maiorias sociais. Por isso, para nós também é importante conhecer a forma de organização dos movimentos daqui. É muito rica a história das lutas sociais no Brasil.
Você conhece o Podemos brasileiro?
Sim. E não temos absolutamente nada a ver. Nada. As posições políticas deles são antagônicas às nossas. É uma impostura.
Porque o Podemos apoia o movimento de independência da Catalunha?
Nós temos o entendimento de que a Espanha é um país de países, um país plurinacional. Não estamos defendendo a independência mas a democracia. É uma diferença que temos com Rajoy. Ele é contra a independência e nós somos a favor da democracia, da articulação de um projeto democrático para a Catalunha que também seja capaz também de criar pontes para um projeto comum com o restante da Espanha.