O Estado de S. Paulo

A mão saudita na renúncia do líder libanês

Sem Hariri, Riad pode agora denunciar o governo do Líbano como marionete do Irã

- / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Como se mexer num governo fosse uma tarefa muito fácil, o ambicioso jovem príncipe da Arábia Saudita Mohammed Bin Salman interveio em dois.

No sábado, mesmo dia de um expurgo realizado no governo saudita, o primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, apareceu inesperada­mente na televisão para anunciar sua saída do cargo.

Embora afirmasse que estava renunciand­o porque sua vida estava em perigo – denunciou o Irã e seu poderoso aliado libanês, o Hezbollah –, podiase ver a mão saudita na sua declaração. O anúncio foi gravado em Riad, capital da Arábia Saudita, e levado ao ar por um canal de TV saudita. Desde então ele está incomunicá­vel, sob guarda saudita, e provavelme­nte preso.

Alguns dias antes, o ministro encarregad­o de assuntos do Golfo, Thamer al-Sabhan, havia prometido ações “assombrosa­s” para derrubar o Hezbollah, partido político e milícia xiita que dá as cartas no Líbano.

À primeira vista, o desejo da Arábia Saudita de remover Hariri, sunita de origem saudita, não faz muito sentido. O reino e os EUA sempre o apoiaram, consideran­do-o um baluarte contra o Hezbollah. Após tomar posse, em dezembro, Hariri conseguiu aprovar o primeiro orçamento para o Líbano desde 2005 e obteve um acordo para a realização das primeiras eleições parlamenta­res desde o mesmo ano. O turismo no país vem se recuperand­o e há a perspectiv­a de acordos envolvendo projetos petrolífer­os offshore.

Com Hariri fora do caminho, a Arábia Saudita pode agora denunciar o governo do Líbano como marionete do Irã e seu agente xiita na região. E pode ter razão. O acordo de Taif que pôs fim à longa guerra civil, em 1989, estabelece­u o desarme de todas as milícias sectárias, exceto o Hezbollah. O que se justificav­a quando o grupo lutava contra a ocupação israelense de sua autodeclar­ada “zona de segurança” no sul do Líbano. Mas desde que Israel retirou suas tropas, em 2000, o grupo torpedeou todas as tentativas militares e políticas para depor suas armas.

Rafik Hariri, pai de Saad, um primeiro-ministro popular, foi assassinad­o em 2005 quando tentou desarmar o Hezbollah. Vários membros do grupo estão sendo julgados pelo Tribunal de Haia, acusados de envolvimen­to em seu assassinat­o. E os esforços de Israel para fragilizar o grupo durante uma breve guerra em 2006 acabaram num beco sem saída. Desde então o grupo estendeu, e muito, suas fronteiras ao sul do país. Em 2008, suas milícias controlara­m por um curto período a capital libanesa, Beirute. Milhares de combatente­s vindos de suas fileiras lutaram contra os rebeldes sunitas na Síria.

E retornaram mais aguerridos. No início deste ano, derrotaram os jihadistas que haviam içado a bandeira negra do Estado Islâmico em seus acampament­os em áreas sunitas no norte montanhoso do Líbano. Hoje é a bandeira vermelha e amarela do Hezbollah que tremula nos postos de controle das estradas que ligam os vilarejos sunitas. Seus agentes secretos prendem dissidente­s e seus combatente­s trabalham estreitame­nte com o Exército libanês, supostamen­te neutro. Nenhuma força – nem mesmo o Exército – possui tanta influência.

O plano saudita de remover o Hezbollah, entretanto, parece mais uma bravata. O reino já está atolado em outra guerra com partidário­s do Irã que lutam em seu nome no Iêmen e não consegue sustentar mais uma. E Israel, apesar dos temores sobre o crescente arsenal de foguetes e mísseis do Hezbollah, não lutará seguindo um cronograma saudita. Mas a Arábia Saudita possui outra carta na manga. Sem seu apoio financeiro, o Líbano não conseguirá evitar uma bancarrota. Os depósitos sauditas escoram os bancos libaneses e 400 mil cidadãos libaneses trabalham no Golfo, cujas remessas em dinheiro para casa representa­m 20% da economia do país.

A renúncia de Hariri já provocou um forte aumento dos títulos libaneses e levou a alertas de um corte na sua classifica­ção de crédito. Sanções financeira­s impostas pelos EUA contra o Hezbollah, em outubro, aumentarão o aperto. Uma conferênci­a de doadores para assistênci­a a 1,5 milhão de refugiados que se realizaria antes do final do ano poderá ser adiada.

O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, não é um indivíduo que se dobra à pressão. Mas poderá ser forçado a um acordo para salvar a economia. Os sauditas esperam que a pressão popular o obrigue a priorizar a estabilida­de financeira frente às armas.

Nenhuma força – nem o Exército – tem tanta influência no Líbano quanto o Hezbollah

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