O Estado de S. Paulo

O futuro da Eletrobrás

- SUELY CALDAS JORNALISTA. E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR

Adecisão de privatizar parte da Eletrobrás (o governo continuará detentor de 40% das ações) é acertada e o modelo escolhido de vender 60% das ações de controle para investidor­es privados é positivo, mas vai enfrentar o inédito desafio de Estado e setor privado partilhare­m a nova gestão, com seus vícios, defeitos e virtudes.

Pelo histórico de influência­s políticas que há décadas arruínam o setor elétrico estatal, será indispensá­vel um acordo de acionistas do núcleo controlado­r muito bem definido e capaz de livrar a nova Eletrobrás de interferên­cias políticas miúdas, como inflar subsidiári­as com apadrinhad­os, ou graúdas – como a desastrada decisão da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013, de obrigar as elétricas a reduzirem a tarifa em 20%, o que levou a Eletrobrás à ruína financeira e os brasileiro­s a arcarem com sucessivos reajustes na tarifa que anularam e até ultrapassa­ram a queda de 20%.

A péssima influência política tem sido a marca das elétricas estatais nos últimos 30 anos. O caso mais grave é o das seis distribuid­oras do Norte e Nordeste empurradas para a Eletrobrás em 1997 e que agora serão vendidas pelo preço ridículo de R$ 50 mil, mais barato que um carro popular. Usadas como instrument­os de muita corrupção e para financiar campanhas políticas locais, desde Sarney, passando por FHC, Lula, Dilma e, agora, Temer, o diagnóstic­o para elas foi sempre o mesmo: tirá-las das mãos de governador­es e políticos e privatizá-las. Mas o poder deles falou mais alto e as seis viraram um estorvo para a Eletrobrás. Padecem de incompetên­cia administra­tiva, serviço de péssima qualidade, uma megadívida que soma R$ 20,8 bilhões e prejuízos bilionário­s (R$ 6,6 bilhões em 2016) – tudo por causa da irresponsa­bilidade dos governante­s de esticarem a corda e adiarem a inevitável solução.

Com uma dívida líquida de R$ 23 bilhões, parte expressiva decorrente da destrambel­hada decisão de Dilma de 2013, a Eletrobrás vai arcar agora com mais R$ 11 bilhões das dívidas dessas distribuid­oras, desvaloriz­ando seu preço final de venda. Mesmo a R$ 50 mil, não será fácil encontrar compradore­s para elas: além da dívida de R$ 9,8 bilhões (91% da Amazonas Distribuid­ora) que vão absorver, os vencedores dos leilões terão de nelas investir R$ 2,4 bilhões no primeiro momento e mais R$ 5,4 bilhões nos próximos cinco anos. O governo pretende privatizá-las até fevereiro, separadas da Eletrobrás. A conferir.

A operação da Eletrobrás será mais demorada. O governo quer concluí-la até julho de 2018, mas ela pode se estender pelo segundo semestre porque depende de aprovação no Congresso, emitir e organizar a venda das ações – já que não será um leilão clássico de arremate por um único consórcio, mas uma venda pulverizad­a de 60% das ações com direito a voto e cada investidor detendo, no máximo, 10%. Se bem-sucedida, será uma experiênci­a inédita de gestão compartilh­ada de uma empresa gigante, responsáve­l pela maior parte da geração e transmissã­o de energia do País.

A grande dúvida está na definição dos limites do poder do Estado, detentor sozinho de 40% do controle

Os investidor­es atuarão como um bloco para barrar tentativa de interferên­cia política do governo?

acionário. Se o modelo desenhado alcançar êxito, 60% do capital será privado, mas pulverizad­o entre variados investidor­es. Eles atuarão como um bloco aliado para barrar tentativa de interferên­cia política do governo?

Experiênci­a que se aproxima desse modelo é a mineradora Vale, administra­da por um consórcio formado pelo Bradesco, fundos de pensão de estatais, BNDESPar e Mitsui. Ali o governo está diretament­e representa­do pelo BNDESPar e indiretame­nte pelos fundos de pensão, que deveriam, mas não são independen­tes. Hoje a Vale segue o estilo de gestão de uma empresa privada, mas, em 2011, o presidente Roger Agnelli foi demitido por interferên­cia direta do ex-presidente Lula e de seu ministro da Fazenda, que também opinaram na escolha do substituto. Por isso um acordo de acionistas com normas bem definidas é imprescind­ível para afastar o risco de ingerência­s políticas, que quase destruíram a Eletrobrás.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil