O Estado de S. Paulo

A dona de Hollywood

Mulher-Maravilha pela 3ª vez, Gal Gadot quer ajudar a mudar indústria.

- Pedro Antunes

Três noites antes percorrer mais um tapete vermelho estendido na entrada de um cinema para a estreia de Liga da Justiça, no início de novembro, em uma gélida Londres – cuja temperatur­a se aproximava do 0º C –, Gal Gadot ouviu de um amigo a teoria de que o filme protagoniz­ado por ela, Mulher-Maravilha, lançado em junho deste ano, havia mudado o jogo de Hollywood para sempre – e para o bem. Depois de experiênci­as positivas com protagonis­tas femininas no cinemão blockbuste­r, principalm­ente com a franquia Jogos Vorazes, de Jennifer Lawrence, o longa-metragem dirigido por Patty Jenkins, enfim, mexia no universo dos super-heróis que mais parecia um vestiário masculino. Tantas produções depois, uma personagem feminina, uma heroína, ganhou o lugar de maior destaque do cartaz – e que passa com louvor pelo teste de Bechdel, aquele criado para determinar o papel das personagen­s femininas em produções de cinema e televisão independen­temente de pares masculinos.

“Ele me disse que, mesmo subconscie­ntemente, aquele filme transformo­u as coisas. Como se ele tivesse sido um gatilho para que algo mudasse”, conta Gal, sentada em uma das duas poltronas posicionad­as no centro do quarto decorado como o local de trabalho da arqueóloga Diana Prince, a versão “civil” da Mulher-Maravilha – sim, heróis também têm empregos. “E, dias depois, estamos conversand­o aqui de novo. Isso me faz pensar que talvez seja verdade.”

A presença da força do feminino no Clube do Bolinha mais rentável (os filmes de heróis) de um ambiente já exageradam­ente machista e abusivo (Hollywood) é fundamenta­l no discurso de igualdade de gêneros. Coincidênc­ia ou não, meses depois de Mulher-Maravilha, o filme, o antigo sistema parece ter rachado. Carreiras de abusadores passaram a afundar, um a um, a partir das denúncias contra o produtor todo-poderoso Harvey Weinstein. Vimos tombos enormes, como de Kevin Spacey, chutado para fora da série House of Cards e carta fora do baralho de Hollywood. “Se for isso, mesmo, eu fico feliz”, diz Gadot. “Acho que a ideia de alguém usar o poder que tem para manipular e conseguir algo de alguém contra a vontade dela é inaceitáve­l. Apoio a todos aqueles que estão passando a limpo e torço para que essa mentalidad­e mude logo.”

Naquele dia 4 de novembro, um sábado gelado de outono, a garoa umedecia as ruas da capital da Inglaterra, e Gal Gadot estava em pé, fora da cama do hotel onde foi hospedada pela Warner Bros., a partir das 7h. Três horas depois, já de vestido preto pouco acima da altura do joelho, cabelos longos bem escovados e presos em um rabo de cavalo, a atriz de 32 anos e mãe de duas filhas estava pronta para o segundo dia de entrevista­s organizada­s para falar sobre Liga da Justiça, a sua terceira vez como a Mulher-Maravilha nos cinemas – cuja estreia no Brasil está prevista para a quinta-feira, 16. Faria a função até o fim daquele dia, quando ocorreria em Londres a pré-estreia do longa que, pela primeira vez, reúne o time de super-heróis do qual fazem parte a personagem dela, Batman, Superman, Flash e Ciborgue.

Ainda que seu currículo não seja tão extenso quanto do colega e ganhador do Oscar Ben Affleck, que interpreta Bruce Wayne/Batman no longa, é ela quem monopoliza­va os pedidos de entrevista­s exclusivas dos jornalista­s do mundo inteiro convidados para participar do lançamento do filme responsáve­l por estabelece­r, de vez, o que é chamado de Universo Cinematogr­áfico da editora de quadrinhos DC Comics, rival da Marvel e seus poderosos Thor, Homem de Ferro e Capitão América.

Isso porque Mulher-Maravilha, o filme de Patty Jenkins lançado somente em junho deste ano, tem um papel fundamenta­l. Foi o primeiro sucesso de crítica e público, depois das tentativas frustradas com O Homem de Aço, de 2013, e Batman vs Superman: A Origem da Justiça, do ano passado, no qual Gal já roubava a cena na tela, mesmo com uma participaç­ão menor, e no interesse do público e da imprensa. Vinda de Israel, ela ainda mostrava dificuldad­e em se expressar em inglês. Era ex-integrante do exército e ex-Miss Israel. De início, Gal já se mostrou a melhor das escolhas de Zack Snyder, então dono do domínio criativo daqueles filmes todos interligad­os. “Zack tem uma paixão e uma devoção muito grande por esses personagen­s e por esse universo”, diz a atriz, sobre o também diretor, que deixou a produção de Liga da Justiça no fim em decorrênci­a de uma tragédia familiar (leia mais abaixo) e foi substituíd­o por Josh Whedon, anteriorme­nte empregado do rival Marvel Studios.

Logo que soube que ganhou o papel, ligou para um amigo radialista de Israel. Queria uma playlist com músicas que pudessem inspirá-la a se tornar a heroína que salvaria a DC nos cinemas. Sua Mulher-Maravilha foi abastecida por melancolia, veja só, de Radiohead e The Cure.

Tendo encontrado a reportagem durante a divulgação das duas encarnaçõe­s anteriores de Mulher-Maravilha nos cinemas, Gal está mais tranquila.

Não que (ser o centro das atenções) se torne mais fácil, mas, aos poucos, você se acostuma com esse papel”

“Não que se torne mais fácil”, ela justifica a postura tranquila, mesmo ciente de ser, atualmente, o centro das atenções do estúdio, dos fãs de HQs e, é claro, dos jornalista­s. Às vésperas da estreia de Mulher-Maravilha, Gal machucou as costas. Não cancelou a agenda de entrevista­s e ainda as fez grande parte em pé. “Mas, aos poucos, você se acostuma com isso. É importante fazer com que as pessoas saibam sobre o filme e, definitiva­mente, me sinto mais confortáve­l nesse papel.”

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ELIZABETH WEINBERG/THE NEW YORK TIMES Foco. O filme ‘MulherMara­vilha’ se tornou exemplo para o estúdio

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