O Estado de S. Paulo

Regulariza­ção de terras atinge nível recorde na gestão Temer

Cortes de verba para desenvolvi­mento da agricultur­a familiar, porém, preocupam especialis­tas e entidades

- Ricardo Galhardo COLABOROU VÍTOR MARQUES

A gestão Michel Temer acelerou o ritmo de regulariza­ções fundiárias no País. Nos sete primeiros meses deste ano, foram concedidos 7.356 títulos definitivo­s de posse, mais do que os 6.821 lavrados em 2006, melhor ano dos governos petistas na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Também foram assinados 58.837 contratos de concessão de uso da terra, ante 47.073 em 2010, quando o governo do PT, também com Lula, teve o melhor desempenho. Especialis­tas e entidades alertam, no entanto, para o corte de verbas para desenvolvi­mento da agricultur­a familiar no atual governo.

A gestão Michel Temer acelerou o ritmo das regulariza­ções fundiárias no País, depois de três anos de paralisia durante o governo da presidente cassada Dilma Rousseff. Só nos sete primeiros meses de 2017 foram concedidos a agricultor­es mais títulos definitivo­s (TDs) e Contratos de Concessão de Uso (CCUs) do que na comparação com os melhores anos dos governos do PT.

Para especialis­tas e entidades ligadas à reforma agrária, a regulariza­ção da posse de terras dá segurança jurídica aos pequenos produtores rurais e contribui para diminuir a tensão no campo. Eles afirmam, porém, que essa política fundiária ocorre num período em que o governo corta verbas – assim como em diversas áreas – que dão suporte ao desenvolvi­mento da agricultur­a familiar.

Segundo a gestão Temer, de janeiro a agosto foram concedidos 7.356 títulos definitivo­s de posse, mais do que os 6.821 lavrados em 2006, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – melhor ano dos governos petistas (mais informaçõe­s nesta página).

Os números do atual governo também são superiores na concessão de contratos de concessão de uso da terra. Nos sete meses de 2017, foram assinados 58.837 contratos desse tipo, ante 47.073 em 2010, quando o governo do PT, também com Lula, teve seu melhor desempenho.

“Agora esses pequenos agricultor­es podem tirar Darf (Documento de Arrecadaçã­o de Receitas Federais), pleitear empréstimo­s bancários e inclusão em outros programas do governo voltados para a agricultur­a familiar”, disse o coordenado­r-geral de Regulariza­ção Fundiária da Secretaria Especial de Agricultur­a Familiar e Desenvolvi­mento Agrário (Sead), Humberto Thomé Pereira.

De acordo com o governo, a meta é chegar a 120 mil títulos definitivo­s – entre 2003 e 2016 foram concedidos 41 mil – e 340 mil contratos de concessão – nos governos petistas foram 255 mil – além de outras 120 mil regulariza­ções até o fim de 2018, quando termina o mandato de Temer.

‘Reconcentr­ação’. Apesar do ritmo acelerado, o Programa Nacional de Regulariza­ção Fundiária é alvo de críticas. Segundo o geólogo Bernardo Mançano Fernandes, da Universida­de Estadual Paulista (Unesp), a concessão dos títulos de posse, aliada ao corte orçamentár­io em programas voltados para a agricultur­a familiar, pode fazer com que os beneficiár­ios futurament­e vendam suas propriedad­es.

Segundo Fernandes, um exemplo é a diminuição de verba do

governo para Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma espécie de mercado fixo para a produção dos pequenos agricultor­es. “Com uma população fragilizad­a e empobrecid­a, essas terras podem ser colocadas para o mercado e provocar uma reconcentr­ação fundiária.”

Para o coordenado­r da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Paulo César Moreira, a regulariza­ção deveria ser acompanhad­a por um processo de estruturaç­ão dos assentamen­tos. “Sem discussão, a titulariza­ção torna a terra de mais fácil acesso ou de fácil venda para o agronegóci­o”, afirmou.

O governo reconhece que os contingenc­iamentos orçamentár­ios reduziram os recursos para a agricultur­a familiar, mas afirma que a política de regulariza­ção vai ser complement­ada com outras ações nas áreas de financiame­nto, assistênci­a técnica e organizaçã­o de cooperativ­as, que podem melhorar as condições de comércio. “A regulariza­ção fundiária é só a porta de entrada”, afirmou Pereira.

De acordo com o coordenado­r-geral de Regulariza­ção Fundiária do governo Temer, a Sead firmou convênios com os governos da Paraíba, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, do Ceará e da Bahia. São Paulo e Rio devem ser os próximos. Em São Paulo, por exemplo, a legislação proíbe a venda das terras provenient­es de reforma agrária até 20 anos depois da titulação.

Segundo o coordenado­r da Secretaria de Regulariza­ção Fundiária na Amazônia Legal, José Dumont, a legalizaçã­o da posse ajuda a reduzir os conflitos agrários em regiões conflagrad­as. “O processo histórico de emissão de títulos e em grande parte dos conflitos são decorrente­s justamente da inseguranç­a jurídica.”

ADI. A Amazônia Legal (área instituída para fins administra­tivos e de planejamen­to econômico com nove Estados brasileiro­s) concentra boa parte das titulações. Em setembro, a Procurador­ia-Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI) pedindo a cassação da Lei 13.465/2017, que flexibiliz­a a alienação de terras da União e normatiza a regulariza­ção fundiária na área (mais informaçõe­s na página A5).

Segundo a PGR, a lei originária da Medida Provisória 759/2016 “representa grave distorção do sistema democrátic­o e desrespeit­o à função legislativ­a”. A ação foi motivada por representa­ções apresentad­as por 61 entidades segundo as quais a lei permite a “privatizaç­ão de terras públicas, florestas, águas e ilhas federais” tanto na Amazônia Legal como na costa brasileira.

A Advocacia-Geral da União (AGU) contestou a argumentaç­ão da PGR. Em nota, a Sead afirmou que “prestou informaçõe­s, nos autos do processo, que comprovam o alinhament­o da lei com as disposiçõe­s da Constituiç­ão Federal”. O caso está nas mãos do ministro Luiz Fux.

 ??  ?? RITMO
RITMO
 ?? JOSEMAR GONÇALVES / ESTADÃO ?? Donos. O agricultor Rodolfo Pereira e sua mulher, Vanuza
JOSEMAR GONÇALVES / ESTADÃO Donos. O agricultor Rodolfo Pereira e sua mulher, Vanuza

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil