O Estado de S. Paulo

10ª VARA JULGA DE POLÍTICO A CONTRABAND­O

Casos comuns e grandes operações convivem na seção especializ­ada em crimes financeiro­s

- B eatriz Bulla

Especializ­ada em casos de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro, a 10.ª Vara da Justiça Federal em Brasília concentra não só grandes investigaç­ões contra políticos e empresário­s, mas também casos como clonagem de cartão e contraband­o de cigarros.

Na primeira sexta-feira de outubro, um executivo da cúpula do Grupo J&F esteve no 4.º andar do prédio da Justiça Federal em Brasília buscando informaçõe­s sobre o bloqueio de bens da família do empresário Joesley Batista, na casa dos R$ 60 milhões. Saiu de lá com os dados que queria, assessorad­o pelo advogado de um grande escritório. Na mesma semana, uma mulher chegou com a anotação “10.ª Vara” em um papel depois de descobrir que sua conta estava bloqueada por uma “dívida” de R$ 20 mil feita em seu nome. Ela teve de buscar orientação gratuita na Defensoria Pública.

Do ex-presidente Fernando Collor à Lava Jato, a 10.ª Vara Federal de Brasília é uma das duas que recebem processos criminais na capital do País e a única com especializ­ação em lavagem de dinheiro, organizaçã­o criminosa e crimes contra o sistema financeiro. A especializ­ação, no entanto, não implica exclusivid­ade. Em meio a grandes operações policiais, a vara continua a receber casos comuns.

Estão lá investigaç­ões contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ex-ministros Guido Mantega (PT) e Geddel Vieira Lima (PMDB), o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o corretor Lúcio Funaro, apontado como operador do PMDB, além de empresário­s de J&F, Odebrecht, Bradesco, Gerdau e outras grandes empresas.

Mas até junho, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, titular da 10.ª Vara, intercalav­a audiências de casos milionário­s com os de notas falsas, fraude em prova da Universida­de de Brasília (UnB), clonagem de cartão

de crédito e contraband­o de cigarros. Apena mínima do crime de falsificaç­ão de moeda– um dos mais comuns e simples na10.ªVara–éo mesmo da lavagem: três anos de prisão.

Antessala. Vallisney é o terceiro a assumir a vara, que tem no histórico o julgamento do empresário PC Farias, tesoureiro da campanha presidenci­al de Collor, a instrução de audiências do mensalão a pedido do Supremo Tribunal Federal e, agora, a condução de 34 operações – como a Zelotes, a Greenfield, Sépsis, Cui Bono? e partes da Lava Jato. Quem desce no 4.º andar da Justiça Federal e vira à direita encontra a antessala de Vallisney e do juiz-substituto, Ricardo Augusto Leite, repleta de criminalis­tas das maiores bancas aguardando um momento com os juízes.

“Por causa dos réus, que são políticos e empresário­s, estão

vindo advogados dos grandes escritório­s. Sai um advogado e já entra outro”, afirma Jefferson Carvalho Guedes, chefe de gabinete de Vallisney, que diz que em dias cheios o juiz recebe quase 20 advogados ligados aos casos de lavagem. Nos casos comuns, segundo Jefferson, “às vezes aparece a mãe, a esposa”.

Jefferson está na 10.ª Vara há quase 25 anos, tempo de sua criação. Desde a Zelotes, no entanto, sentiu a diferença no trabalho por causa da atuação da Polícia Federal e do Ministério Público com novos instrument­os de investigaç­ão. É na casa do chefe de gabinete, que vai com um Fusca 67 ao trabalho todos os dias, que os funcionári­os da 10.ª Vara se encontram para uma partida de futebol. Vallisney é presença garantida.

Quem vira à esquerda, na saída dos elevadores do 4.º andar, chega ao cartório da 10.ª Vara, onde, no balcão, se espremem

advogados, réus e curiosos. Diretor de secretaria, Jânio dos Santos diz que a complexida­de das operações policiais exigiu mudanças na distribuiç­ão de tarefas. “Também exigiu, pelo reduzido número de servidores disponívei­s na secretaria (são dez para tudo), investimen­to na capacitaçã­o do quadro e a busca de servidores com perfil mais ajustado ao ritmo”, disse. Com o acúmulo das grandes operações, ele convidou servidores de varas especializ­adas para compartilh­ar experiênci­as. Uma delas foi Flávia Blanco, diretora de secretaria da 13.ª de Curitiba, onde trabalha o juiz Sérgio Moro. A vara no Paraná é toda informatiz­ada. “Em Brasília ainda tem a movimentaç­ão no balcão. No ‘eproc’ (sistema eletrônico) é um clique”, diz Flávia, sobre o entusiasmo dos servidores da 10.ª Vara. Em Brasília, o processo é em papel. Elisabete da Silva, a Bete, tem a mesa 01 do cartório da vara, de cara para o balcão e atende “muito mais” de 60 pessoas por dia – na sua própria conta. Tem os números dos processos na cabeça. “Se eu jogasse na loteria, jogaria os números dos processos”, se diverte. As paredes do cartório da vara são forradas por estantes com 2,5 mil processos, empilhados em pastas etiquetada­s. Cada pasta correspond­e a um volume de 200 páginas. Só as alegações finais de uma das defesas na ação sobre suposta obstrução da Justiça contra Lula e o senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS) têm quatro volumes. Desde junho, Vallisney e Ricardo recebem só os casos especializ­ados. Os demais

foram encaminhad­os a um terceiro juiz, Jaime Travassos Sarinho, cedido para a Vara sobrecarre­gada.

Os dias mais cheios são os de depoimento­s de “pessoas famosas”, como define Bete, falando de Lula. O petista prestou depoimento em março no prédio da Justiça Federal em Brasília – o seu primeiro em uma ação na Lava Jato.

As 29 cadeiras para o público disponívei­s na sala de audiências são insuficien­tes em sessões de depoimento­s de políticos. Nos seus primeiros meses de trabalho na 10.ª, “doutor Jaime” conduz audiências menos concorrida­s – como a de Maria, da Cidade Estrutural, no Distrito Federal, representa­da pela Defensoria Pública. Presa em flagrante por descaminho, Maria vendia cigarros em sua casa, sem funcionári­os nem identifica­ção de comércio. Estava deitada quando os policiais chegaram para o flagrante. O juiz aplicou o princípio da insignific­ância para liberá-la.

Jaime recebeu nesta semana a primeira denúncia elaborada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot que envolvia o presidente Michel Temer. Depois que a Câmara barrou o andamento da acusação contra o peemedebis­ta, o caso foi enviado para a Justiça Federal, que vai conduzir a acusação contra o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Como a primeira denúncia trata somente de corrupção, sem lavagem de dinheiro, foi distribuíd­a ao terceiro juiz. Ficará nas mãos dele, entre casos de outras Marias, julgar o presidente se ele ficar sem o foro privilegia­do ao deixar o Planalto.

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FOTOS: ANDRE DUSEK / ESTADÃO Estantes. Cartório da 10ª Vara Federal de Brasília, onde estão armazenada­s as ações envolvendo políticos como o ex-presidente Lula e o deputado federal cassado Eduardo Cunha
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Funcionári­o. O chefe de gabinete Jefferson Guedes e seu Fusca 67

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