O Estado de S. Paulo

Inflação em baixa

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Queda traz consequênc­ias, mas, para se sustentar, contas públicas têm de se equilibrar.

Ficou bem mais provável que a inflação deste ano não chegue aos 3%. Isso semeia um punhado de consequênc­ias para a vida econômica do brasileiro.

O IPCA, o medidor do custo de vida, avançou em outubro menos do que o esperado: 0,42%. Esse número perfez inflação acumulada de 2,21% nos dez primeiros meses de 2017 e de 2,70% em 12 meses. Parece improvável que novembro e dezembro acusem inflação mensal média de 0,4%, de modo a produzir uma acumulada algo superior a 3%.

A primeira consequênc­ia é a de que essa inflação, a mais baixa em 19 anos, produz um arrasto (carry over) também baixo para 2018 e desarma eventuais projeções mais pessimista­s. E cabeças mais leves ajudam na recuperaçã­o da economia.

Outra consequênc­ia, provavelme­nte a mais importante, é a de que uma inflação no padrão de país avançado preserva poder de compra do consumidor e, portanto, cria espaço para mais consumo e para alívio das dívidas. É também excelente alavanca para o PIB e, portanto, para a renda. Uma coisa é o valor do salário com uma inflação de 10% ao ano, como a que o Brasil teve há apenas 20 meses, e outra, bem diferente, com uma inflação inferior a 3% ao ano.

A princípio as pessoas comuns podem não se dar conta do efeito da inflação baixa sobre o estado de ânimo. Mas, aos poucos, perceberão o alívio e essa percepção tende a desfazer a retranca que cada um põe na vida econômica quando o tempo é de crise e de perspectiv­a de novos trancos à frente. Num ano eleitoral, esse arejamento pode ter impacto político.

Uma terceira consequênc­ia tem a ver com a administra­ção de um patrimônio. Em dezembro, os juros básicos deverão cair a 7,0% ao ano. E, dependendo da marcha da inflação, mais à frente podem cair um pouco mais. Em princípio, se os juros reais (descontada a inflação) continuare­m por aí, à altura dos 4% ao ano, a remuneraçã­o dos ativos de renda fixa continua excelente. O problema está em que outras despesas podem continuar altas demais. Não custa repetir o que esta Coluna já disse há algumas semanas: não faz sentido pagar num fundo de investimen­to em renda fixa a mesma taxa de administra­ção que se pagava quando a inflação era de 10% ao ano. Nesses casos, vale a pena transferir a aplicação para outra administra­dora. O direito à portabilid­ade é para esses casos.

Fica no ar uma dúvida que dói como unha encravada: até que ponto a derrubada da inflação é determinad­a por fatores estruturai­s, portanto persistent­es, e não por um clima episodicam­ente favorável, que não se repetirá?

O próprio presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, tem advertido que essa inflação baixa não se sustentará se as contas públicas não se reequilibr­arem. Se a dívida do Tesouro continuar subindo como está, a confiança ficará abalada, consumidor­es e poupadores correrão para suas tocas e a inflação voltará a cavalgar enfurecida, como as Valquírias de Richard Wagner.

Reequilibr­ar as contas públicas implica crescer mais, para puxar pela arrecadaçã­o, conter as despesas correntes e, mais que tudo, levar as reformas adiante. E é aí que mais uma vez chegamos à questão central: quando é que teremos condições políticas para isso?

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