O Estado de S. Paulo

Criar empresa em família pode ter suas vantagens

Longevidad­e e renda menor leva aposentado­s a criar negócios com filhos; pais entram com recursos e experiênci­a e jovens, com entusiasmo

- Christophe­r Farrel / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Ao se aposentar depois de três décadas trabalhand­o como professor, Bert Weber ocupou-se de contratos de consultori­a, mas continuou em busca de um trabalho mais satisfatór­io, de tempo integral. Seu filho Christian dirigia uma pequena organizaçã­o ambiental sem fins lucrativos; e também estava insatisfei­to.

Christian havia sonhado em ter uma cervejaria artesanal, pois pai e filho gostavam de preparar a bebida em casa. Um bom tempo antes, num fim de semana há cinco anos, decidiram entrar de cabeça no negócio de cerveja. “Eu gostei do conceito”, disse Bert. “Adorei a ideia de ter meu filho como parceiro nos negócios.”

Mesmo sem experiênci­a na gestão de uma cervejaria, eles criaram um plano e garantiram um empréstimo para pequenas empresas. Em 2014, abriram a Common Roots Brewing Co. em South Glens Falls, Nova York. Hoje, a cervejaria tem 20 funcionári­os e cresce constantem­ente, prevendo vender 5 mil barris este ano.

A criação de uma empresa que abrange mais de uma geração pode ser um meio inteligent­e para que baby boomers (geração nascida no pós-guerra) aposentado­s e seus filhos adultos combinem recursos e capacitaçã­o. Os jovens adultos trazem entusiasmo e estão à vontade com as últimas tecnologia­s. Os pais em geral trazem capital e experiênci­a de trabalho.

Riscos. Mesmo assim, os riscos financeiro­s associados ao empreended­orismo são assustador­es, especialme­nte para aqueles em seus anos de aposentado­ria. O tempo para se recuperar da falência de uma empresa é curto e as consequênc­ias de perdas financeira­s podem ser considerav­elmente maiores para uma pessoa com mais idade. Além disso, superar a transição de pai e filho para sócios nos negócios nem sempre é fácil. E começar um novo empreendim­ento é sempre estressant­e.

Fazendo uma retrospect­iva dos três últimos anos, Christian parece aliviado. “Nós não estamos apenas sobreviven­do”, disse. Bert acrescento­u: “Durmo melhor agora”.

Pesquisado­res que analisam pequenas empresas não têm muitos dados a apresentar sobre qual a quantidade de startups existentes, reunindo mais de uma geração, como a dos Weber. Ainda assim, há algumas estatístic­as: 25,4% das novas empresas formadas em 2016 nos EUA foram criadas por pessoas com idades entre 55 e 64 anos, segundo a Fundação Ewing Marion Kauffman, contra 14,8% em 1996.

Em grande parte por causa de duas importante­s mudanças sociais, é bastante provável que o aumento do número de pais aposentado­s e seus filhos adultos, pelo menos, considerem dar o salto em direção ao empreended­orismo juntos.

Em primeiro lugar, a associação de vidas mais longevas e poupanças inadequada­s para a aposentado­ria levam mais americanos idosos a buscar renda logo após os seus 60 anos. “Pelo que vejo, a geração baby boom chega aos anos de aposentado­ria e escolhe uma versão diferente da aposentado­ria daquela da geração da II Guerra Mundial”, diz Dennis Ceru, professor adjunto de empreended­orismo no Babson College, em Wellesley, Massachuse­tts. O empreended­orismo que reúne mais de uma geração (multigerac­ional) é uma dessas opções, diz ele.

O segundo fator é a evidência de que muitos pais de baby boomers e seus filhos adultos se dão bem o suficiente para, pelo menos, encarar a perspectiv­a de montar um negócio.

“A maioria dos boomers tem uma relação muito mais baseada em amizade com seus filhos do que seus pais tiveram com eles”, afirma Steve King, sócio da Emergent Research, empresa de consultori­a em Lafayette, Califórnia, focada em economia de pequenas empresas. “É uma grande mudança social.”

Pela primeira vez desde a década de 1960, morar com os pais é o mais comum dos arranjos domésticos na faixa etária de 18 a 34 anos, informa o Pew Research Center. Em 2014, mais de 32% dos jovens adultos moravam com os pais, o que era 20% na década de 1960.

Grande parte disso reflete difíceis circunstân­cias econômicas e adiamento dos casamentos, dizem os especialis­tas. Mas a tendência parece ser suficiente­mente vasta para que também envolva escolhas de estilo de vida e bons relacionam­entos.

Comparando os dados da pesquisa sobre relações entre gerações diferentes nos anos 2000 com os dados da década de 1980, os autores do estudo acadêmico “Os Relacionam­entos Intergerac­ionais dos Baby Boomers” observam que, em 1988, menos da metade dos pais entrevista­dos deram conselhos aos filhos adultos no mês anterior, em comparação com 89% em 2008. Além disso, 31% forneceram assistênci­a prática em 1988, em comparação com 69%, duas décadas depois.

Tais resultados refletem a descoberta básica de uma pesquisa de 2012 encomendad­a pela AARP (American Associatio­n of Retired Persons, para aposentado­s com cinquenta anos ou mais). Segundo a enquete, os jovens

adultos “comunicam-se mais, interagem mais e ficam mais à vontade em participar com seus pais, em relação aos boomers quando estes eram jovens adultos”.

Para os pais que entram no mercado com seus filhos adultos, um alicerce de confiança mútua e comunicaçã­o contínua deve melhorar as possibilid­ades de sucesso, diz King. Tomese a experiênci­a dos Burche de Hudson, Wisconsin, que decidiram, durante o almoço, há uma década, abrir uma loja.

O almoço incluiu Elizabeth, professora de meio período, na época com 65 anos; seu marido, Dan, um pastor aposentado, de

69 anos; e dois de seus filhos, Sarah, de 37, e Leah, de 43. Eles discutiram como lutar contra o que viam como uma polarizaçã­o crescente na sociedade, e ao mesmo tempo gerar renda.

Apelo. Juntos, tiveram uma ideia: uma loja de presentes que vende itens sustentáve­is, muitas vezes feitos à mão, com o que eles chamavam de um apelo bipartidár­io. Seis semanas depois, abriram a Purple Tree, em Hudson, com os pais colocando cerca de US$ 10 mil (O nome joga o roxo como sendo a mistura de vermelho, dos republican­os e azul, dos democratas).

“Nós nem sempre concordamo­s”,

disse Sarah, o único membro da família trabalhand­o em tempo integral na Purple Tree. “Mas conseguimo­s concordar em discordar, e fomos capazes de alcançar os compromiss­os. Nós sempre encontramo­s uma maneira de resolver as coisas.” O restante da família participa da receita da loja.

Fatores menos benignos podem exercer seu papel no empreended­orismo multigerac­ional. A discrimina­ção etária pode ser grande obstáculo ao emprego daqueles com 50 anos ou mais. Ao mesmo tempo, jovens podem achar difícil conseguir um emprego atraente e que ofereça um caminho de carreira. Para ambas as faixas etárias, começar uma empresa pode em geral ser uma alternativ­a melhor.

Apesar de todos os casos de sucesso, empreended­orismo não é para todos. O Bureau of Labor Statistics informa que cerca de 20% das pequenas empresas vão à falência em seu primeiro ano, e aos 5 anos, metade delas fecha. São possibilid­ades desanimado­ras, especialme­nte para os americanos mais idosos que visam a aposentado­ria. Além disso, nem todas as famílias se dão bem. Mesmo para membros da família que gostam uns dos outros, a ideia de lidar com limites pouco claros pode ser penosa. “Isso traz a presença do desafio do relacionam­ento”, diz King.

Mais importante, começar um negócio normalment­e significa dedicar longas horas ao trabalho, incluindo fins de semana. Muitas pessoas na idade da aposentado­ria buscam horários mais flexíveis, mesmo que continuem gerando renda.

“A maioria das pessoas escolhe limitar ambições e procurar outros interesses”, diz Ceru.

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NATANIEL BROOKS/THE NEW YORL TIMES Nova York. Weber e o filho Christian montaram cervejaria
 ?? NATANIEL BROOKS/THE NEW YORL TIMES ?? Time. Shane Colvin é um dos funcionári­os da cervejaria que reúne multigeraç­ões
NATANIEL BROOKS/THE NEW YORL TIMES Time. Shane Colvin é um dos funcionári­os da cervejaria que reúne multigeraç­ões
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NATANIEL BROOKS/THE NEW YORL TIMES Variedades. Bebidas da Common Roots Brewing Company

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