O Estado de S. Paulo

O drible agoniza no ‘mecânico’ futebol nacional

Astros do passado criticam a forma de atuar dos times e a falta de coragem dos jogadores atuais. Média de drible no Brasileiro é de 3,8

- Wilson Baldini Jr.

Cena semelhante à da final da Copa do Mundo de 1970, na qual Clodoaldo dribla quatro adversário­s italianos, está cada vez mais rara nos campos de futebol do Brasil. Segundo levantamen­to da empresa Footstats, os 20 times da Série A do Campeonato Brasileiro tentam 3,8 dribles, em média, por jogo, sendo que apenas 2,6 com êxito (70% de acerto). O jogador que mais dá drible é o atacante santista Bruno Henrique, que teve sucesso em 30 oportunida­des durante a competição. Se o garoto Mané Garrinha fizesse teste em alguma escolinha hoje, ele seria chamado de fominha e de desrespeit­oso.

É necessário explicar que o conceito do drible, neste levantamen­to, não é apenas “pedalar”, “passar o pé em cima da bola”, “ganhar na corrida” ou “puxar a bola para dentro e bater no gol”. É preciso ganhar espaço e levar perigo para o rival.

O estudo mostra que o fundamento mais interessan­te do futebol, que derruba marcação e torce esquemas táticos, além de levantar a torcida, se tornou cada vez mais raro no futebol nacional. Em 2016, os números também eram baixos, mas melhores que os atuais. Os jogadores tentavam 4,2 dribles por jogo e acertavam 3,1 (72,2%).

“O estilo como os times atuam tira a vontade de a gente ver futebol. A média de dribles que os times têm, eu fazia em um ataque”, diz Edu, ex-pontaesque­rda do Santos, que jogou por anos ao lado de Pelé. Edu é apontado como um dos maiores dribladore­s de todos os tempos. “Acho que o problema vem da base. Os técnicos se preocupam com a parte física e se esquecem da técnica. Todos pedem para o garoto tocar logo a bola. Isso acaba com a criativida­de.” Os poucos que driblam são taxados de abusados e logo marcados pelos zagueiros.

Zé Sérgio, ponta esquerda do São Paulo nos anos 70 e 80, concorda com Edu. “Futebol está muito estratégic­o. Joga-se em função do rival. Quando eu jogava, se não tentava o drible e tocava de lado, era logo vaiado. O torcedor esperava pelo inesperado”, diz o ex-jogador, que formou com Paulo Cesar, Renato “Pé Murcho” e Serginho Chulapa o ataque são-paulino bicampeão paulista de 1980 e 81. “E agora os caras jogam com chuteira boa, bola boa, gramado bom. Se eu jogasse hoje, ninguém ia me segurar”, brinca.

Zé Sérgio comandou por nove anos a base do São Paulo. Foi responsáve­l pelo surgimento de Oscar, Lucas, Casemiro e Breno. “O torcedor hoje festeja quando o beque chuta a bola para lateral. Talvez goste do futebol que se joga. Eu não gosto.”

Roberto Rivellino, que aperfeiçoo­u o “drible elástico”, no qual parecia perder o controle da bola, mas conseguia retomar a jogada, destruindo a marcação, aponta para a falta de meias, de verdadeiro­s camisas 10, como mais um problema para a ausência dos dribles. “A seleção não tem um meia clássico. Um cara que pensa o jogo”, critica o “Patada Atômica, da Copa de 70. “O Brasileirã­o está em suas rodadas finais e não temos como escolher o craque do ano. Nem sei se tivemos revelação.”

Para o maior jogador da história de Corinthian­s e Fluminense, o momento do futebol brasileiro explica a falta de protagonis­tas na Europa. “Nem o Neymar era protagonis­ta no Barcelona. Precisou ir para o PSG.”

Rivellino também culpa a imprensa. “Se o cara dá um chapéu ou um toque por debaixo das pernas, o lance é repetido dezenas de vezes e logo se pergunta se foi para humilhar o rival. Tem hora que o drible é necessário para se prosseguir na jogada.” Ainda segundo o Reizinho do Parque, apelido que ganhou pelos dez anos em que jogou pelo Corinthian­s, o momento “mecanizado” do futebol nacional pode ser exemplific­ado pelo que acontece com dois times paulistas. “O São Paulo estava brigando até agora para não cair e possui três jogadores diferentes: Cuevas, Pratto e Hernanes. Já o Corinthian­s, que liderou toda a disputa e deve ficar com o título, não possui um grande jogador no elenco”, comparou.

Emerson Leão, goleiro da seleção em quatro Copas e técnico do Santos campeão brasileiro de 2002, que revelou Robinho e Diego, opina que o “futebol atual é outro futebol”. “Acabaram com a liberdade do atleta de errar durante uma partida. Eu sempre cobrei criação dos meus jogadores na proximidad­e ou dentro da área. O futebol está chato de assistir. Íamos ao estádio para ver um espetáculo e hoje vemos um jogo monótono”, disse um dos maiores goleiros da história do Palmeiras. “O futebol usa muito computador, mas o computador não dribla, não faz gol. Por isso, apoio o Renato Gaúcho. Tem muito entendido no futebol. Cara que faz curso para tirar foto.”

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ESTADÃO CONTEÚDO Garrincha. O rei do drible não teria lugar nos times hoje

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