‘A seleção precisava de um choque de gestão’
Coordenador fala sobre as mudanças nos métodos de trabalho que fizeram com que o Brasil voltasse a ser respeitado
Em junho de 2016, ao mesmo tempo em que o técnico Tite aceitou substituir Dunga, Edu Gaspar foi escolhido coordenador técnico da seleção brasileira, em substituição a Gilmar Rinaldi. Desde que ele e sua equipe chegaram à CBF, trabalham na reorganização, criando responsabilidades e objetivos. As metas foram divididas em quatro períodos: pré-convocação, convocação, datas Fifa e análise. Edu deu um ‘choque de gestão’ na organização da seleção, com reflexos em toda a CBF.
Vocês reorganizaram a estrutura da CBF. Qual é a receita do sucesso até aqui?
Para mim o principal ponto de gestão foi a nossa ida para a CBF para despachar no dia a dia. Aí nós encontramos a nossa forma de trabalho. A seleção é um trabalho de inteligência: é preciso pensar muito, porque você não está com os atletas. Contratar um Fábio Mahseredjian, um Cléber Xavier, um Mateus, o Silvinho na Europa, o Taffarel… Esse grupo de trabalho dedicado 100% à seleção é um fato novo.
Você acha que a CBF vai manter essa estrutura para sempre?
Eu espero que sim. Isso é trazer uma mentalidade corporativa para a CBF. Quando um clube de futebol, ou a CBF ou uma empresa contrata alguém, o mínimo que você tem a fazer é despachar no lugar. Isso está virando algo para deixar para a CBF. Eu estou trabalhando com a Ernst & Young, entrevistando cada funcionário para saber o que faz cada um deles, para deixar um desenho organizacional para a CBF. Isso está dando muito certo. Todo mundo tem responsabilidade todo dia, toda hora. Em um ano e meio, não teve um dia em que eu disse: “Cara, vamos lá tomar um café”. Não, é todo o dia porrada e porrada, muito trabalho mesmo.
• A Alemanha foi elogiada na Copa de 2014 por sua estrutura. O Brasil já está nesse patamar?
Sim. E posso discutir com qualquer outra confederação sobre o assunto. Todas as principais ferramentas do mundo nós temos hoje. Mas saber usá-la e como usá-la vai da expertise de cada um. A forma de utilizar as ferramentas é discutível, mas as ferramentas, a tecnologia, as questões mais modernas que existem hoje nós temos. As ferramentas estão aí à nossa disposição, e elas são muito ricas e muito boas.
A comissão técnica tem de se interessar por isso também?
Quando você conhece muito bem o treinador, você sabe do que ele gosta, que tipo de relatório ele vai aproveitar e as coisas que podem potencializar o seu trabalho. Eu tenho de me concentrar em potencializar o trabalho do treinador. Como se faz isso com o Tite? Com tecnologia, com bons funcionários ao redor, com caras de altíssimo nível, com contatos.
Os resultados de Tite são fruto direto dessa organização?
É um conjunto de fatores. O principal é sem dúvida nenhuma o Tite e os atletas, não podemos tirar o mérito.
Que tipo de erros vocês evitam com a organização e análise?
Verificamos o número de jogos, de atuações, fazemos o acompanhamento físico, o porcentual de gordura. Hoje a gente apresenta relatórios para os atletas e nem eles acreditam. Nos perguntam como sabemos aquilo. Mas faz parte do nosso trabalho. Quando acaba o nosso “período Fifa”, o Fabio tem como primeira função mandar todo o relatório físico, clínico, técnico de cada jogador aos seus clubes. Do dia 1 ao último dia, todos os clubes recebem tudo o que você pode imaginar: quantos treinos, intensidade, peso, o que comeu. O (Jurgen) Klopp (técnico do Liverpool) citou, inclusive. Isso dá todo o respaldo para que eles decidam se colocam ou não o atleta para jogar no dia seguinte. Se não me engano, só nós e a seleção inglesa fazemos esse tipo de análise.
Os clubes têm dado respostas positivas sobre esse trabalho?
Quando existe essa troca de informação, se cria um laço. E aí trocamos informações. O Fabio pode ligar e perguntar, claro que respeitando o melhor momento, para saber como está o Firmino, como está seu nível de força, seu porcentual de gordura, etc. Estamos respaldados com as informações físicas e clínicas que gostaríamos.
Como é ver o torcedor voltar a gostar da seleção?
Nós brincamos dizendo que curtimos pouco esses momentos legais. Vivemos tão intensamente o nosso dia a dia, estamos tão dentro do processo que vemos pouco o que está fora. Não nego que existe uma autoestima pelos resultados. Mas isso não desfoca o grande objetivo que temos.
Mas vocês haviam diagnosticado a baixa autoestima?
Sim, diagnosticamos. Mas a seleção precisava de um choque de gestão: organização, cuidados, lidar com a blindagem excessiva. Não estou dizendo que estivesse tudo errado, ou que agora está tudo certo. Mas achava que, quando você blinda demais uma equipe, fica antipático. Decidimos abrir os treinos. Quem não tem condições de ver o jogo, vai ver o
treino por um quilo de alimento. Quis que fôssemos mais transparentes com a imprensa, com uma agenda clara do que estamos fazendo. Os atletas precisavam sentir essa gestão. Quando fomos jogar em Natal, tinha jogador vindo do interior da Itália. Imagine um voo até Roma, Roma-São Paulo ou Rio, daí para Natal. Eram 17 ou 20 horas só de voos. Disse ao presidente: é humanamente impossível chegar bem, depois de ter jogado, viajado, treinar dois dias e jogar no terceiro. Daí fretamos um avião da Europa direto para Natal. Foram 7 horas de voo. Os atletas chegaram descansados e ganhamos um dia de trabalho. Depois do jogo, liberamos para encontrar as famílias. Desde que adotamos essa postura, não tivemos problema.
Vocês estão atentos também ao extracampo?
Claro. A partir do momento em que estão conosco, temos a responsabilidade de uma boa imagem. A gente acompanha, mas não é a prioridade. A prioridade
é a parte técnica. Quando tem folga, eu digo para tomarem cuidado com a exposição, porque são midiáticos.
• Neymar tem um comportamento midiático. Está presente nas redes sociais, mostra que está com amigos, que badala. Eventualmente isso gera críticas na Europa. Como vocês veem isso?
Zero problema. Se ele está bem, feliz, pronto. Eu vejo o Neymar feliz, contente. Para nós o principal ponto é que ele esteja bem. Não vou entrar em questões do PSG, porque não tenho nem o direito de fazê-lo.
Qual é o tamanho da lista de atletas que vocês trabalham?
A cada final do período, fazemos uma nova avaliação. Uns entram, outros saem. Mas ela fica entre 45, 50 jogadores, 43, por aí. Acho que na última semana foram 48 atletas observados, para fazer a lista de 23.
Quantas vagas estão abertas?
Tem muita coisa para acontecer. O Tite vem falando isso. É muito difícil cravar um número.
Estamos perto e longe ao mesmo tempo. Tem muito para acontecer, e temos de contar com os imprevistos. As coisas estão caminhando bem, mas é difícil ter um número.
Sobre a estrutura na Rússia, vocês estão satisfeitos?
Temos uma escolha muito boa, é Sochi. Está encaminhado, vamos querer dar uma mostra de grande organização não só dentro de campo, mas fora também. Ainda bem que conseguimos viabilizar Sochi.
O Brasil voltou a figurar entre os favoritos. Como encarar isso?
Encaro como deve ser encarado. Com todo o respeito, mas não vejo nenhum tipo de problema. Temos de encarar algumas realidades. Somos uma grande seleção, temos grandes atletas, temos uma grande responsabilidade. Vamos dar um passo para a frente, com humildade, com respeito, com os pés no chão, também encarando a responsabilidade. Você quer representar o Brasil? Assuma a responsabilidade.