Michelangelo no Metropolitan
Mais completa mostra do artista chega ao museu de Nova York
A mais completa exposição de desenhos de Michelangelo Buonarroti começa amanhã, no Museu Metropolitan de Nova York. A mostra Michelangelo: Desenhista Divino, de mais de 200 obras, é a única chance de admirar, em grande escala, a arte menos conhecida do gênio italiano que morreu em Roma, aos 88 anos, em 1654. Há 133 desenhos, além de pinturas, esculturas, exemplos de poemas e uma reprodução do teto da Capela Sistina provenientes de 50 coleções ao redor do mundo. A fragilidade do papel exposto à luz não permite que a exposição, aberta até 12 de fevereiro, possa viajar para outros museus ou ser estendida.
Escultor, pintor, arquiteto e poeta, Michelangelo destruiu boa parte de seus trabalhos em papel. Seu disegno, que em italiano se refere ao desenho e ao design, era feito quase em segredo, não só porque ele queria destacar o legado da escultura, mas porque era ciumento de contemporâneos que o descreviam, e cartas comprovam, como “um deus”. A mostra inclui também trabalhos de artistas com quem Michelangelo colaborou, como Marcello Venusti e Perino dal Vaga.
A curadora do Met Carmen Bambach, que passou oito anos organizando a exposição, explica ao Estado que o visual clean da instalação obedece ao desejo de não fazer reencenações afetadas e deixar o visitante a sós com sua própria viagem aquele mundo de 500 anos atrás. A reprodução do teto da Capela Sistina foi instalada próxima a andaimes para enfatizar a fisicalidade do trabalho em curso, um projeto tão monumental que Michelangelo desistiu de contratar colaboradores e seguiu trabalhando praticamente sozinho. A contraposição de desenhos e esculturas permite uma apreciação mais profunda do erotismo e da celebração do corpo masculino.
Não é uma exposição cuja memória possa ser guardada no celular. A reprodução digital não faria justiça ao vigor do traço do artista que, lembra a curadora, parecia querer entalhar o papel. Vigor e fisicalidade são qualidades já imortalizadas em esculturas como o David. Mas descobrir os desenhos é uma chance de encontrar também exemplos de ternura como o raro retrato de um rapaz que despertara seu afeto, Paolo Quaratese.
Tempo e concentração são necessários para desfrutar esta chance oferecida pelo Metropolitan e as recompensas são generosas. Pergunto à curadora se a maestria do traço exposto ali a faz pensar no debate sobre a qualidade artesanal das obras de então e agora. Ela se anima e exclama um sim enfático. “Michelangelo era obcecado por sua mão, até a sua caligrafia era refinada. Olho para esta obra e penso o quanto a arte contemporânea precisa integrar a mente, o olho e a mão do artista.”
No elegante ensaio que acompanha o catálogo da exposição, Bambach destaca a biografia e as rivalidades de Michelangelo, seja com a antiguidade clássica ou com seus contemporâneos, como o mais velho Leonardo da Vinci. Ela argumenta que o Michelangelo, célebre antes de chegar à meia idade, foi um cuidadoso curador de sua figura pública. Cinco séculos depois, a exposição de desenhos que manteve fora de circulação com zelo desafia a intenção do artista e, por isso, somos gratos.