O Estado de S. Paulo

O injustiçad­o

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Oempresári­o Wesley Batista, sócio da JBS, se sente injustiçad­o. A julgar pelo que disse em depoimento aos integrante­s das Comissões Parlamenta­res de Inquérito da JBS e do BNDES, Wesley pretendia ser considerad­o um herói nacional por ter delatado políticos em geral, e sugeriu que sua atual situação – está preso e seu acordo de delação foi suspenso – se deve ao fato de que o Brasil, confrontad­o com a realidade da corrupção, preferiu punir quem a expôs, e não os corruptos.

Tal desfaçatez só se tornou possível graças ao discurso salvacioni­sta de uma parte do Ministério Público e do Judiciário, gente que se organizou numa força-tarefa disposta a denunciar todos os políticos como ladrões e o atual Congresso como a representa­ção do mal. Esperto, Wesley – assim como já havia feito seu irmão Joesley – entreviu ali a oportunida­de de reivindica­r um lugar nessa hoste moralista, transforma­ndo-se de criminoso confesso em campeão da justiça.

“Obrigado pela oportunida­de. Senhores congressis­tas, gostaria, antes de mais nada, de aproveitar essa oportunida­de para dizer que não me arrependo de ter decidido colaborar com a Justiça brasileira”, disse Wesley no início de seu depoimento, que se resumiu a esse pronunciam­ento, pois se recusou a responder às perguntas. Já ali ficava claro o tom do resto do discurso, em que o empresário se comportou como sofrido mártir da luta anticorrup­ção.

Primeiro, Wesley afirmou que “não é uma decisão fácil” tornar-se delator. “Não tínhamos noção do quanto isso afetaria nossa vida, de nossa família e de nossos filhos”, declarou o empresário, acrescenta­ndo que sentiu medo e solidão. É como se a delação fosse um ato de coragem, e não a consequênc­ia de um acordo em que o delator busca reduzir a pena por crimes que confessa e, no caso dos irmãos Batista, os crimes somam mais de duas centenas, mas, graças à incrível benevolênc­ia do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, os empresário­s, de início, escaparam de qualquer punição em troca do que disseram.

Wesley está preso desde setembro sob acusação de usar informação privilegia­da para ganhar dinheiro no mercado – e a informação privilegia­da que detinha era justamente a delação que ele e o irmão haviam feito, cujo conteúdo, envolvendo o presidente Michel Temer, uma vez vazado para a imprensa, causou tumulto nas bolsas. Além disso, seu acordo de colaboraçã­o foi suspenso porque surgiram evidências de que os delatores haviam omitido informaçõe­s em seus depoimento­s. Diante desses dissabores – que incluem ainda a prisão de Joesley –, Wesley afirmou que, agora, descobriu que a delação “é um processo imprevisív­el e inseguro para quem decide colaborar”. A queixa mostra que o empresário realmente apostava na prometida impunidade. Mas ele acrescento­u que, apesar dos percalços, continua “acreditand­o na Justiça brasileira”, isso é, ainda espera ganhar a liberdade que julga merecer por se considerar parte da cruzada contra a corrupção.

“Acredito que estamos vivendo agora um imenso retrocesso daquilo que esperávamo­s ser um profundo processo de transforma­ção do nosso país”, discursou Wesley, confirmand­o sua expectativ­a de ser reconhecid­o não como um simples delator, mas como um dos protagonis­tas desse “processo de transforma­ção”. Foi então que, para pasmo geral, ele denunciou a injustiça de que estaria sendo vítima: “As delações dos últimos anos fizeram o País se olhar no espelho, mas, como ele não gostou do que viu, o resultado tem sido este: colaborado­res presos e delatados soltos”.

Para esse delator – criminoso confesso e empresário de muito sucesso principalm­ente graças às privilegia­das relações com os governos petistas, marcados pela corrupção –, o Brasil é um país de corruptos, e pretende continuar a sê-lo, pois se recusa a encarar a corrupção de frente.

De certa maneira, Wesley Batista reproduziu em suas palavras o pensamento dos procurador­es e juízes que passam dia e noite a denunciar o caráter quase natural da corrupção no País, do qual estão a salvo apenas – obviamente – eles mesmos.

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