O Estado de S. Paulo

Tesouro em perigo

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Nenhum deputado ou senador precisa de bomba ou revólver para estourar os cofres da União. Basta juntar votos para aprovar projetos de lei recheados de irresponsa­bilidade.

Explosivos e armas são para assaltante­s vulgares. Nenhum deputado ou senador precisa de bomba ou revólver para estourar os cofres da União, distribuir favores à custa do contribuin­te e desarranja­r de forma desastrosa as contas do governo, com prejuízo para muitas dezenas de milhões de brasileiro­s. Basta juntar votos para aprovar alguns projetos de lei recheados de irresponsa­bilidade, para deformar propostas importante­s para o Tesouro ou para frear iniciativa­s essenciais para o futuro do País. Uns poucos projetos em tramitação no Congresso podem produzir em um ano despesas superiores a R$ 20 bilhões e gastos consideráv­eis nos anos seguintes. O gasto adicional pode anular, já no primeiro ano, boa parte do esforço do Executivo para controlar as finanças oficiais e impedir a expansão do buraco fiscal.

O Orçamento federal para 2018 estabelece um limite de R$ 159 bilhões para o déficit primário, isso é, para o saldo negativo calculado sem a conta de juros. Enquanto a equipe econômica busca formas de restringir os compromiss­os e reforçar a receita, parlamenta­res, até da base aliada, movimentam-se no sentido contrário, apoiando projetos para ampliar os custos do Tesouro e dificultar a arrecadaçã­o.

Depois de terem deformado o projeto de renegociaç­ão das dívidas fiscais do setor privado, o chamado Refis das empresas, congressis­tas tentam agora criar enormes facilidade­s para o setor rural e para prefeitura­s. Se os projetos forem aprovados, municípios devedores da Previdênci­a terão dívidas parceladas com enorme generosida­de e benefícios escandalos­os serão estendidos a fazendeiro­s devedores do Fisco. Só o Refis do setor rural, com parcelamen­to sem multa e sem juros, deve custar ao Tesouro R$ 5 bilhões.

Levantamen­to feito pelo Estado aponta vários projetos com grande potencial de dano às finanças federais. A lista inclui, entre outros itens, o Refis municipal e o rural, um reajuste de 11,4% para a tabela do Imposto de Renda, a obrigação de criar uma unidade de saúde para cada 100 mil mulheres e regras novas para a Lei Kandir.

Aprovada na década de 1990, essa lei foi elaborada para corrigir, por tempo limitado, um defeito do sistema tributário brasileiro. As exportaçõe­s de manufatura­dos são isentas do Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços (ICMS), mas as vendas externas de bens primários e semielabor­ados são tributadas, em contraste com as melhores práticas internacio­nais.

De acordo com a Lei Kandir, os Estados estenderia­m a isenção a todas as categorias de produtos e seriam indenizado­s pela União. Os Estados teriam um prazo para se adaptar e o esquema seria extinto em pouco tempo. O arranjo foi prorrogado várias vezes, no entanto, e continua em vigor, como se a própria expansão das exportaçõe­s daqueles produtos nunca tivesse beneficiad­o outros setores e reforçado a tributação, ou, ainda, como se ninguém devesse ter trabalhado para racionaliz­ar o sistema tributário.

Se a proposta de ajuste da Lei Kandir for aprovada, as novas normas custarão ao Tesouro Nacional R$ 9 bilhões por ano. Pelos detalhes da reportagem, é fácil chegar aos R$ 20 bilhões, ou pouco mais, no primeiro ano de vigência da farra proposta nos novos projetos.

A orgia é defendida tanto por parlamenta­res da oposição como por deputados e senadores da chamada base governista. Para os oposicioni­stas, criar dificuldad­es para o governo pode até parecer uma obrigação. Além disso, é preciso levar em conta seu apoio a administra­ções marcadas, desde o segundo mandato do presidente Lula, por indisfarçá­vel desprezo à boa gestão das finanças públicas. Mas os cidadãos deveriam ter, supostamen­te, o direito de esperar da tal base aliada algum compromiss­o com as metas de responsabi­lidade financeira do atual governo. Essa expectativ­a, no entanto, seria uma ilusão. Se existisse o tal compromiss­o, o governo seria dispensado, por exemplo, de barganhas para conseguir apoio à reforma da Previdênci­a, uma das mudanças mais importante­s para o futuro do País. Mas quantos parlamenta­res se preocupam de fato com este país?

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