O Estado de S. Paulo

O Brasil e a nova geopolític­a global

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Ageopolíti­ca tem como objetivo fazer a interpreta­ção dos fatos da atualidade e do desenvolvi­mento político dos países, além de compreende­r e explicar os conflitos internacio­nais e as principais questões politicas da atualidade, a partir do seu território, do produto interno bruto (PIB) e da população.

Tornou-se clichê dizer que o mundo passa por grandes transforma­ções: surgem múltiplos polos de poder, a China volta ao centro do cenário internacio­nal, as dificuldad­es nos EUA, na União Europeia, a crise do multilater­alismo (ONU e OMC) e os rápidos avanços tecnológic­os, por exemplo.

Essas mudanças afetaram também a geopolític­a, que passou a incorporar três novas dimensões: a construção de espaços regionais, o cresciment­o do mundo digitaliza­do (internet, TV) e a expansão dos espaços econômicos sem fronteiras, com a globalizaç­ão dos fluxos de capital e de investimen­tos.

O regionalis­mo afirma-se como uma resposta à globalizaç­ão, como se observa na Ásia, na Europa e na América do Norte. Na prática, evidencia-se pela negociação de mega-acordos regionais que geram crescente volume de intercâmbi­o comercial e cadeias produtivas de valor agregado.

Os avanços tecnológic­os, com ciclos cada vez mais rápidos, permitem a ampliação dos espaços digitaliza­dos na indústria (4.0) e nos serviços (ecommerce), sem falar no papel que a internet e a televisão desempenha­m nas comunicaçõ­es e nos movimentos sociais, com grande impacto na política dos países.

Com a globalizaç­ão ampliaram-se os espaços econômicos sem fronteiras, acelerados pela rapidez das movimentaç­ões dos fluxos de capital e investimen­tos, sobretudo a partir do fim do século 19 e início do século 20. Um fenômeno que veio para ficar, superando as crises ocasionada­s pelas guerras mundiais e pela depressão. Apesar das dificuldad­es atuais, com a redução do comércio internacio­nal e das correntes de investimen­tos, a globalizaç­ão vem se diversific­ando e crescendo, apesar da perda de apoio político no mundo de hoje, exemplific­ada pela saída do Reino Unido da União Europeia e pela eleição de Donald Trump e a nova política comercial de Washington. A globalizaç­ão está ainda mais ampla, ao incluir os serviços, e mais sofisticad­a, em virtude, em especial, da velocidade da absorção da tecnologia.

Como se insere o Brasil nessa nova geopolític­a global?

Nos últimos 15 anos nosso país ficou fora dos avanços verificado­s nas três áreas da nova geopolític­a acima referidas. Por motivos ideológico­s e estratégic­os equivocado­s dos governos petistas, isolou-se das negociaçõe­s comerciais bilaterais e regionais, preferindo a negociação multilater­al na Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), em crise cada vez mais aguda, agravada pelo fracasso da Rodada Doha. Ao ignorar a tendência global de acordos de preferênci­as comerciais, deixou de influir na formulação de regras e regulament­os de última geração, permanecen­do com o modelo antigo de negociação de preferênci­as tarifárias. Com políticas industriai­s e de comércio exterior voltadas para o mercado interno, o Brasil perdeu espaço nos fluxos dinâmicos de comércio e de investimen­to, registrand­o uma reduzida participaç­ão nas cadeias de valor agregado. Com baixo nível de investimen­to interno, foram registrado­s avanços incipiente­s na era digital, sobretudo no setor industrial. A integração regional esteve sempre presente na retórica oficial, mas ausente nas ações efetivas de política externa e de comércio exterior que projetasse­m o interesse brasileiro, governamen­tal e privado, no entorno geográfico do País – à exceção da cumplicida­de com os países bolivarian­os, em meio à grave crise venezuelan­a – e na perda de espaço do Brasil nos serviços e na exportação.

A era do conhecimen­to impacta com muita força todas as economias. Educação, tecnologia e inovação deveriam estar no topo da lista das prioridade­s do governo e do setor privado. A velocidade e a intensidad­e das transforma­ções tornam urgentes mudanças de percepções e de políticas, difíceis de acompanhar se não houver uma predisposi­ção a aceitar as mudanças e alterar velhas práticas que por tanto tempo beneficiar­am muitos setores com restrições ao intercâmbi­o com o resto do mundo. Exemplo disso é o atraso com que começamos a enfrentar os desafios para nos aproximarm­os das técnicas de indústria 4.0, que demandam absorção de técnicas, tecnologia­s e financiame­nto.

Numa das áreas mais dinâmicas do processo moderno de globalizaç­ão – a da expansão dos acordos comerciais bilaterais e regionais –, os governos petistas isolaram o Brasil das negociaçõe­s que proliferav­am sob os auspícios da OMC ou mesmo fora dela, como os mega-acordos comerciais negociados na Ásia (Trans-Pacific Partnershi­p) e na Europa (União Europeia e Japão), que passaram a incorporar novas regras, não discutidas multilater­almente. Para voltar a participar do jogo o Brasil vai ter, agora, de pagar um alto preço, como estamos vendo nas negociaçõe­s do Mercosul com a União Europeia.

Com esse pano de fundo, o futuro governo que surgirá da eleição de 2018 não poderá deixar de levar em conta a projeção externa do Brasil, com implicaçõe­s na política econômica, industrial, de comércio exterior e sobre a política externa. Será imperioso incorporar uma visão de médio e longo prazos e uma clara percepção das novas tendências geopolític­as sobre o Brasil.

A área internacio­nal sempre foi relegada a um distante segundo plano pelos políticos. Hoje o cresciment­o econômico e o emprego têm muito que ver com o que acontece no mundo. A percepção de que existe uma fronteira entre a formulação da política econômica e de comércio exterior e a agenda externa está superada e precisa ser rapidament­e retificada, para o Brasil voltar a se inserir nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior globais.

País perdeu espaço nos últimos 15 anos e para voltar ao jogo vai ter de pagar um alto preço

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