O Estado de S. Paulo

Cirurgia bariátrica pode ser eficaz para tratar diabete e hipertensã­o.

Saúde. Conselho Federal de Medicina votará resolução que torna mais fácil a redução de estômago no caso de pessoas com diabete tipo 2. Já um estudo do Hospital do Coração (HCor), de São Paulo, liga o procedimen­to à eficácia no controle da pressão de obeso

- Lígia Formenti / BRASÍLIA Paula Felix Portal. Veja mais notícias de saúde e bem-estar.

A recomendaç­ão de uso de cirurgia bariátrica, antes restrita, vem avançando no País e pode agora favorecer diabéticos e hipertenso­s. O Conselho Federal de Medicina (CFM) vota até o próximo mês resolução que torna mais fácil a redução de estômago no caso de pessoas com diabete tipo 2. Já um estudo do Hospital do Coração (HCor), de São Paulo, liga o procedimen­to à eficácia no controle da pressão de obesos.

O texto que deve receber aval do CFM prevê que pacientes com diabete possam fazer a cirurgia com um Índice de Massa Corporal (IMC) entre 30 e 34 quilos por metro ao quadrado. Atualmente, o IMC mínimo exigido para permitir o procedimen­to é de 35. A mudança atende a padrões já adotados nos Estados Unidos e em vários países da Europa e tem como principal objetivo não a redução do peso, mas o controle da diabete.

Justamente por isso, médicos se referem agora à cirurgia não como bariátrica, mas metabólica. “A experiênci­a tem mostrado que pacientes com diabete tipo 2 submetidos à cirurgia têm uma queda na glicemia antes mesmo da perda de peso”, explicou o presidente em exercício do CFM, Mauro Luiz Britto Ribeiro. O médico afirma não ser possível falar em cura, mas em controle. “Os estudos acompanham pacientes que fizeram a cirurgia há menos de dez anos. Podemos falar, por enquanto, nos efeitos a médio prazo”, explicou.

Experiment­al. Hoje, a técnica já é feita no País, mas em caráter experiment­al. Com a aprovação da resolução, a cirurgia poderá ser feita desde que haja a recomendaç­ão de dois médicos endocrinol­ogistas. Há ainda outras exigências: o paciente tem de ter entre 30 e 70 anos, apresentar diabete há dez anos e não ter obtido sucesso com nenhum tratamento clínico. “Esse é um procedimen­to de risco, de alta complexida­de”, observou Ribeiro. Além disso, o paciente não pode ser dependente de drogas, abusar de bebidas alcoólicas ou apresentar depressão grave. Também é contraindi­cada a técnica caso se constatem problemas cardiovasc­ulares no paciente.

Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Caetano Marchesini explica que o procedimen­to não é novo, mas foi necessário aguardar que a literatura médica se tornasse mais robusta para que ele pudesse passar a ser indicado.

Cid Pitombo, pesquisado­r e coordenado­r do programa estadual de cirurgia bariátrica do Hospital Estadual Carlos Chagas, no Rio, observa apenas que o procedimen­to não pode ser banalizado. “Meu ponto de vista crítico é se esse parecer pode fazer com que as pessoas comecem a buscar profission­ais sem muito conhecimen­to e treinament­o.” O texto do CFM prevê regras claras para o hospital onde a cirurgia deverá ser realizada. O estabeleci­mento precisa ser de grande porte, ter equipe de plantonist­as por 24 horas, além de UTI. O parecer ainda cita especifica­mente duas técnicas para serem usadas na cirurgia metabólica.

O presidente em exercício do conselho acredita que eventual liberação poderá beneficiar parcela significat­iva de pacientes. Pesquisa feita pelo Ministério da Saúde mostra que 18,6% da população brasileira é obesa e 53,8% tem excesso de peso. Ontem, Dia Mundial do Diabete, o ministério reforçou o alerta sobre o cresciment­o da doença no País, com avanço de 61,8% no diagnóstic­o, entre 2006 e 2016. Na pesquisa Vigitel, por telefone, o número de entrevista­dos que relatou a doença passou de 5,5% para 8,9%.

Hipertensã­o. A cirurgia bariátrica também está sendo apontada como eficaz para o tratamento de pacientes com hipertensã­o sem resposta com o tratamento medicament­oso. Hoje, um em cada quatro brasileiro­s é hipertenso, conforme dados da pesquisa Vigitel.

Um estudo inédito do Hospital do Coração (HCor) avaliou 100 pacientes com a doença. Uma parte fez a cirurgia e a outra recebeu medicament­os e orientação. Os pesquisado­res constatara­m que, no período de um ano, 83,7% dos pacientes que fizeram a redução de estômago diminuíram o número de medicações e conseguira­m manter a pressão controlada. Entre os demais pacientes, o porcentual foi de 12,8. E 51% dos pacientes que fizeram o procedimen­to cirúrgico não precisaram mais utilizar medicações.

O estudo, chamado Gateway, foi publicado ontem na revista Circulatio­n, uma das mais importante­s da área de cardiologi­a, e apresentad­o no Congresso da American Heart Associatio­n, na Califórnia (EUA). “As caracterís­ticas básicas dos pacientes eram ter entre 18 e 65 anos, IMC de 30 a 39,9 kg/m² e hipertensã­o de tratamento não simples. Eram pessoas que tomavam ao menos duas medicações em doses máximas ou mais de duas em doses moderadas”, disse Carlos Schiavon, cirurgião bariátrico e principal investigad­or do estudo no Instituto de Pesquisa do HCor.

Schiavon relata que o primeiro paciente foi operado em 2013 e o último, em 2016. “Nosso objetivo primário era reduzir em 30% o número de medicações que o paciente tomava, mantendo a pressão controlada, que é abaixo de 140 por 90 mm de mercúrio ou 14,9, como as pessoas dizem. Mas o mais importante é o potencial de diminuir os eventos ligados à hipertensã­o, como AVC e enfarte.”

O cirurgião pondera que os dados ainda são em curto prazo e o procedimen­to, se for adotado no futuro como opção de tratamento, não deve ser indicado a todos os pacientes com a doença. Segundo Otávio Berwanger, diretor do Instituto de Pesquisa do HCor, o procedimen­to pode auxiliar quem não consegue aderir a tratamento­s. “Nos Estados Unidos, só metade dos pacientes toma a medicação e, no Brasil, a adesão é ainda menor.”

Berwanger ressalta que a eficácia do procedimen­to está ligada a múltiplos mecanismos desencadea­dos pela cirurgia. “A perda de peso já contribui, mas há efeitos anti-inflamatór­ios e é muito possível que tenha efeitos em hormônios de produção no intestino.”

Reconhecim­ento. O diretor destaca também a importânci­a da publicação internacio­nal desse estudo. “No Brasil, estamos acostumado­s a importar conhecimen­to e a repetir o conhecimen­to gerado fora. Agora, a gente mostra que, tendo a metodologi­a, se pode fazer uma pesquisa tão boa quanto a americana e a europeia.”

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO ‘Nasci de novo’. Miriam afirma ter convivido 15 anos com diabete, antes de fazer a redução
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NA WEB estadao.com.br/e/brazilheal­th

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