O Estado de S. Paulo

Os senhores do engenho e dos bastidores políticos

Clã Picciani comandou a política fluminense com a mesma eficácia que o tornou um dos maiores criadores de gado nelore

- Wilson Tosta / RIO Felipe Frazão / BRASÍLIA

Quando era o todo-poderoso do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, costumava ir ao Rio conversar reservadam­ente com o presidente da Assembleia Legislativ­a, Jorge Picciani (PMDB). Era uma demonstraç­ão da força do político local: já naquela época, nada acontecia entre os peemedebis­tas fluminense­s sem que Picciani soubesse, permitisse ou ordenasse. É assim até hoje – mas agora o patriarca atingido pela Operação Cadeia Velha enfrenta a maior crise de sua carreira, que ronda o clã que comanda na política fluminense.

Picciani teve infância modesta no subúrbio de Mariópolis, na zona norte, e estudou em escolas públicas. Começou na política em 1985, quando se filiou ao PSB e fez campanha para Marcelo Cerqueira para a prefeitura do Rio. Cerqueira perdeu, mas Picciani gostou da política. Foi eleito seis vezes deputado estadual, a partir de 1990, e se tornou um dos chefes da elite política do Rio. Passou pelo PDT e foi para o PMDB. Tem total controle da Alerj, o que lhe dá poderes de uma espécie de primeiro-ministro no Estado.

A carreira política de Picciani foi construída em parceria com Sérgio Cabral (PMDB). Foi primeiro secretário da Alerj, quando o hoje ex-governador era presidente da Casa. Os dois fizeram política juntos por mais de 20 anos, em uma relação de aliança, não de subordinaç­ão. Divergiram às vezes, como na eleição de 2014, quando o governo estadual apoiava Dilma Rousseff, mas Picciani defendeu Aécio Neves (PSDB) – e depois apoiou Dilma. Após Cabral virar senador, em 2002, Picciani assumiu diretament­e a presidênci­a da Alerj. Só ficou longe do posto quando perdeu a eleição para o Senado, em 2010, e ficou sem mandato. De volta em 2014, retomou o comando da Casa.

Família. Quando Cabral surgiu no Palácio Guanabara, em 2007, e Eduardo Paes assumiu a prefeitura da capital, em 2009, Picciani e seu clã, produtores de gado nelore e com um patrimônio que em 2014 alcançou mais de R$ 27 milhões – cresciment­o de 900% nos últimos 20 anos –, chegaram com mais força ao Executivo local. Desde as eleições daquele ano, os Picciani – o pai e os filhos Leonardo, de 38 anos, ministro do Esporte, e Rafael, de 31, agora ex-secretário municipal de Transporte­s na capital fluminense – viveram a expectativ­a de virar governo por meio de três partidos. Apoiaram o candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB); aderiram ao governo da então presidente Dilma Rousseff (PT); e alcançaram o primeiro escalão do governo Michel Temer (PMDB).

Recentemen­te, Jorge Picciani passou sete meses em sessões de quimiotera­pia por causa de um câncer na bexiga. Havia retomado a atividade parlamenta­r há um mês. Neste ano, ele já havia sido levado a depor pela Operação O Quinto do Ouro, que interditou o Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Em uma das reformas ministeria­is promovidas por Dilma, Picciani emplacou as indicações da bancada peemedebis­ta na Câmara, que ele mesmo levou à petista: o aliado no Rio Celso Pansera (Ciência) e o piauiense Marcelo Castro (Saúde). Leonardo e o pai fizeram do PMDB fluminense uma trincheira ao movimento de desembarqu­e do governo que culminaria no impeachmen­t. Agiam impulsiona­dos pelo governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e o então prefeito carioca Eduardo Paes, que se organizava para sediar os Jogos Olímpicos – por isso recebia uma enxurrada de verbas federais.

Crítico da gestão de Pezão, Jorge Picciani trabalha pela candidatur­a de Paes ao governo do Estado. Ele tem dito que o melhor nome para suceder Temer é o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB).

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MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO-8/01/2016 Pai e filhos. Jorge, com Felipe (esq.), que não é político, e Leonardo, ministro de Temer

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