O Estado de S. Paulo

Aos 100 anos, escola de atiradores dá lição de disciplina.

Tiro de Guerra de Capivari completa 100 anos em 2017; há mais de 220 unidades pelo País

- José Maria Tomazela

Além da braçadeira de monitor, os jovens Matheus Berteli, de 19 anos, e Agrício Nunes Medrado, de 22, atiradores do Tiro de Guerra (TG) de Capivari, no interior de São Paulo, não têm quase nada em comum. Berteli é filho de um industrial do setor de metalurgia pesada e, até o ano passado, tudo o que fazia era dirigir carrões importados e se equilibrar sobre uma prancha de surfe no Guarujá, litoral paulista. Agrício é do interior da Bahia e migrou para Capivari, em 2016, em busca de trabalho, após perder o emprego em uma fazenda. Com ele e a mãe vieram seis dos 11 irmãos. Os outros ficaram no Nordeste, trabalhand­o na roça com o pai.

Desde fevereiro, algo mais aproxima os dois rapazes: eles são líderes no grupo de 50 atiradores da turma do TG de Capivari, que celebra seu centenário neste ano. Eles foram incorporad­os ao serviço militar obrigatóri­o como não voluntário­s. Agora, ambos estão inclinados a seguir a carreira militar.

Berteli ainda tem dúvida. A fábrica do pai está em expansão e ele planejava cursar Comércio Exterior. “Não queria me alistar, achava que ia atrapalhar, mas meu pai fez o Tiro de Guerra e sempre dizia que, para ele, foi um divisor de águas.”

Berteli conta que, na seleção e nos primeiros dias de tiro, achou que não ia funcionar. “Vi muito garoto estranho, de perfil muito diferente do meu. Fiquei meio arredio, sentei lá no fundo, mas o sub (tenente) veio e disse: ‘Não crie minhoca, moleque, sua carcaça já é minha’, e me puxou para a frente. Logo minha cabeleira estava no chão. Em poucos dias tinha feito amizade com todos.” O antigo “filhinho de papai” revelou-se disciplina­do e solidário. Em pouco tempo liderava seu grupo. “Meu pai espera que trabalhe com ele. Estou em dúvida. Estive na escola preparatór­ia de cadetes em Campinas e fiquei entusiasma­do. Quando visto a farda e venho para cá, me realizo.”

Agrício já se decidiu e o TG é o ingresso na carreira mais do que planejada. “Descobri o que tenho no sangue. Vou fazer o curso da Escola de Sargentos e, no que depender de mim, vou passar. Já me vejo no Exército.” É o primeiro atirador da família.

Disciplina. O subtenente Jailton Cordeiro da Silva, de 46 anos, que assumiu o TG Capivari em dezembro, conta que o quartel prepara para ser bom cidadão. “A disciplina, a responsabi­lidade e o tratamento igual para todos que aprendem aqui servem para a vida que vão levar como operário, professor, político ou empresário. Certamente muitos vão sair melhores do que entraram. Como aqui representa o Exército, e isso deixamos claro, muitos se interessam em seguir carreira militar.”

A rotina é a mesma de outros futuros reservista­s recrutados pelos mais de 220 tiros de guerra no País. Como a maioria trabalha ou estuda, eles se apresentam às 6 horas e cumprem atividades até às 8, recebendo instruções militares, aulas de civismo e cidadania, noções de armamento e primeiros socorros. Em rodízio, alguns são convocados para a segurança do quartel por 24 horas. Os alistados usam uniforme do Exército e têm o dever de mantê-lo impecável, assim como deixar barba feita e cabelo curto.

“A parte prática será no quartel do Exército em Itu, mas só quando eles tiverem dominado toda a teoria”, diz o sub. Quem se destaca é escolhido para a liderança. Os jovens não recebem salário nem ajuda de custo.

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EPITACIO PESSOA/ESTADÃO–4/10/2017 Rotina. Alistados têm instruções militares, aulas de civismo e noções de armamento

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