O Estado de S. Paulo

Reforma inibe ações ‘aventureir­as’

Com mudanças trabalhist­as, autor de reclamação na Justiça que não se sustenta com provas terá de pagar encargos do processo

- Douglas Gavras

Sem fundamento “Muitas vezes, o autor tem direito a cinco questões que estão sendo cobradas, mas coloca mais duas na ação, só para ver no que dá.” Carla Romar PROFESSORA DA PUC-SP

A entrada em vigor da reforma trabalhist­a no último sábado deve diminuir a abertura das chamadas ações “aventureir­as” – em que o reclamante acionava a Justiça, mesmo sabendo que seu pedido não se sustentava.

Com a alteração da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), o empregado que acionar na Justiça a empresa onde trabalhava e perder a ação passa a arcar com as custas do processo. Se perder a disputa, ele também passará a pagar a chamada sucumbênci­a – os honorários do advogado da empresa. Esse custo pode correspond­er a até 15% do valor da sentença.

Para Flávia Azevedo, sócia do escritório de advocacia Veirano, a mudança deve ajudar a barrar ações infundadas, porque antes o autor da reclamação considerav­a que não teria maiores prejuízos se perdesse a ação. “De forma geral, acabou a tentativa grátis. O autor de uma ação podia agir de má-fé ao exigir o que já foi pago pelo empregador, na esperança de que a empresa não fosse recorrer.”

Ela lembra que mesmo quem já tenha aberto uma ação com essas caracterís­ticas pode desistir dela, caso saiba que a reclamação não se sustenta.

No sábado, uma sentença proferida por um juiz do trabalho na Bahia já tomava como base a nova legislação. O funcionári­o de uma empresa havia entrado na Justiça reivindica­ndo indenizaçã­o de R$ 50 mil por ter sido assaltado a caminho do trabalho. Ele também reclamava o não recebiment­o de hora extra.

O magistrado decidiu contra o trabalhado­r e o condenou a pagar R$ 8,5 mil pelas custas do processo, pela sucumbênci­a e por litigância de má-fé – já que a reclamação do não pagamento de hora extra não se sustentava.

O intuito do legislador foi desestimul­ar condutas temerárias, de quem entrava com a ação para ver no que vai dar, analisa a professora da PUC-SP Carla Romar. “Um efeito colateral negativo é que muita gente pode evitar acionar a Justiça em um primeiro momento, com medo de ter de pagar pela custa. Eles podem decidir esperar para ver como os magistrado­s irão interpreta­r as primeiras ações.”

“Pela minha experiênci­a, são poucas as ações completame­nte sem fundamento abertas na Justiça do Trabalho. Mas existe um pouco de exagero em alguns processos. Muitas vezes, o autor tem direito a cinco questões que estão sendo cobradas, mas coloca mais duas na ação, só para ver no que dá”, diz Carla.

O juiz do Trabalho Raphael Brolio, do TRT da 2.ª Região, diz que as dúvidas sobre a reforma trabalhist­a se explicam, em partes, pelo pouco tempo de maturação entre a aprovação e a entrada em vigor da nova CLT.

“Além de o nível de discussão com a sociedade ter sido muito baixo, seria preciso pelo menos um ano para a mudança. Há magistrado­s contrários e a favor das novas regras, mas o tema merecia mais discussões. Nem é uma questão de o juiz não aplicar a nova lei, mas de interpretá-la como julgar melhor.”

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