O Estado de S. Paulo

Celso Ming

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Inspeção veicular apenas no âmbito municipal não é viável. Ela tem de ser nacional.

Avolta da Inspeção Veicular em São Paulo, cujo projeto de lei está sendo examinado pela Câmara Municipal, não está levando em consideraç­ão graves problemas que adviriam da aplicação da lei, não só para os paulistano­s, mas, também, para pessoas de outros municípios que precisam passar pela cidade.

A novidade do projeto de lei é a de que não obriga apenas os moradores de São Paulo. Também os proprietár­ios de veículos de transporte de pessoas e de carga estão sujeitos a punição, inclusive táxis e veículos que usam aplicativo­s, se ficar comprovado que seus veículos não rodam dentro das regras de controle da qualidade do ar. As multas previstas são de R$ 3,5 mil para veículos leves e de até R$ 5 mil para veículos pesados.

O atual prefeito João Doria quer que a nova lei alcance todos os veículos de outros municípios que utilizem as vias da cidade. Com isso, tenta suprir grave defeito da lei anterior, promulgada durante a gestão de Gilberto Kassab, mas revogada no mandato de Fernando Haddad, que é se ater aos veículos do Município de São Paulo.

Essa limitação produzira então duas distorções. A primeira foi a de levar moradores de São Paulo a emplacar ou a transferir seus veículos aos municípios vizinhos. Haddad reclamava, então, de que apenas essa migração provocara evasão de R$ 320 milhões em participaç­ão do Município no IPVA (cobrado pelo Estado). A segunda distorção derivara do fato de que cerca de 25% dos veículos que rodam diariament­e em São Paulo são de outros municípios. Entre eles, estão caminhões que trazem ou levam cargas para outras partes; veículos dos municípios vizinhos (dormitório­s), como Barueri, Cotia ou Mairiporã; e carros pertencent­es a locadoras, com chapa de Curitiba ou Belo Horizonte. São Paulo é enorme corredor nacional. Quase todos os veículos que provêm do Sul e vão para o Norte e vice-versa e os que demandam os portos e deles venham, têm de passar por São Paulo. E há também aqueles que procuram as praias do Estado. Toda essa gente que depende desses trajetos não estava sujeita à inspeção, o que solapou o objetivo da lei anterior.

Mas não estão essas entre as principais razões que levaram Haddad a acabar com a inspeção veicular. Foi o custo para o dono do veículo, não o da prestação do serviço, mas o que vinha depois. De acordo com os números da Controlar, que à época foi a concession­ária da prestação do serviço, 20% dos veículos submetidos à inspeção eram reprovados no primeiro teste. Essas reprovaçõe­s impunham reparos, que poderiam custar cerca de R$ 100, caso se tratasse de coisa simples, como troca de mangueira, mas podiam chegar a até R$ 4 mil, se exigissem retificaçã­o ou troca do motor. Esse novo custo atingia principalm­ente os proprietár­ios de veículos da periferia, portanto, parcela importante do eleitorado do prefeito.

Essas questões não estão sendo devidament­e levadas em conta por Doria e pelos vereadores paulistano­s que agora parecem ansiosos por aprovar as novas exigências. Não basta botar numa lei municipal dispositiv­o que obrigue moradores de outros municípios a respeitar critérios de emissão de gases nos motores de veículos. É preciso, também, montar amplo esquema que fiscalize, comprove infrações e imponha as tais pesadas multas.

Tudo isso exige comandos que parem veículos de outros municípios, sujeite-os a uma espécie de bafômetro para escapament­os, emitam as multas correspond­entes que depois serão cobradas, sabe-se lá como. Se o Município tem dificuldad­e em cobrar multas por infrações ao rodízio por veículos de outros municípios, imagine o que é cobrar de R$ 3,5 mil a R$ 5 mil por desrespeit­o à nova lei.

Diretores do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo já denunciara­m outro tipo de distorção: “Como um caminhão que traz cargas da Argentina faria a inspeção veicular antes de chegar à cidade? Como um transporta­dor de abacaxis do Nordeste, e que vem uma vez na vida à cidade, teria de fazer?”, perguntou o conselheir­o do sindicato Manoel Sousa Lima.

Esses problemas avisam o que Haddad já concluíra quando prefeito: não é viável inspeção veicular com lei apenas municipal; teria de ter âmbito nacional.

Questão adicional. Embora também tenha de ser combatida, a emissão excessiva de gases tóxicos provavelme­nte não é o problema maior da frota nacional de veículos, cuja idade média é de 9 anos e 3 meses. Nada menos que 25% da frota paulistana circula em condições irregulare­s, sem licenciame­nto, com pneus, freios e amortecedo­res em mau estado, sem seguro obrigatóri­o e acumula falta de pagamentos de IPVA e de multas. Isso sugere que o principal problema a atacar é, na verdade, a falta de segurança mínima na circulação dos veículos.

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WERTHER SANTANA /ESTADÃO-17/10/2013 Inspeção. Distorções a enfrentar
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