O Estado de S. Paulo

Do mercado econômico ao de votos

- ROBERTO MACEDO

Oquadro da eleição presidenci­al de 2018 mostra Lula como o contendor mais importante. Do outro lado do espectro ideológico pontifica Jair Bolsonaro, ora em busca de orientação quanto ao que vai propor fazer se chegar lá, em particular na economia. Mas até aqui não se mostrou muito aberto a conselhos, dado o seu estilo “deixa comigo”, um tanto “trumpiano”. Entre os dois, o espaço é disputado por vários candidatos em busca de maior destaque.

Nesse contexto, especula-se que alguém de fora da política poderia ser eleito, a exemplo de João Doria na última eleição para a Prefeitura paulistana, quando se disse um gestor, e não um político, cuja classe, com exceções cada vez mais excepciona­is, é muito mal vista pelos eleitores em geral.

Essa opção entre um político tradiciona­l e um gestor, ou outra figura que tenha alcançado projeção fora do governo, costuma enaltecer pessoas bem-sucedidas na iniciativa privada. Quanto a isso, li interessan­te artigo de Jorge Vianna Monteiro, economista especializ­ado em escolhas públicas (public choices, em inglês). A teoria dessas escolhas, que sintetizou em

www.escolhaspu­blicas.com, aponta, por exemplo, que a política macroeconô­mica não é escolhida só por formulador­es em busca de resultados como menor inflação ou maior cresciment­o do PIB. É plasmada por uma configuraç­ão institucio­nal, a escolha pública, em que atuam, entre outros elementos, a autonomia decisória pública, a estabilida­de constituci­onal e a separação de Poderes.

Assim, arranjos alternativ­os dessas instituiçõ­es (no sentido lato) condiciona­m a escolha. Noutro exemplo, este meu, os formulador­es da proposta do Executivo de reforma da Previdênci­a Social subestimar­am a importânci­a desses arranjos, pois o atual revela forte discrepânc­ia de interesses entre o mesmo Executivo e o Legislativ­o, o que vem prejudican­do o avanço dessa proposta.

Recentemen­te, Monteiro apresentou noutro espaço

(www.portal.noticia.capital) o referido artigo, intitulado Uma antiga perspectiv­a econômica reeditada na corrida eleitoral 20172018. Ele colocou a opção a políticos, que hoje vejo personific­ada por candidatos como Doria e Luciano Huck, como uma alegada necessidad­e de dar um “choque administra­tivo” no setor público, alcançando a chefia do Executivo federal, que deveria ser ocupada por uma pessoa com bem-sucedida experiênci­a no setor privado.

Monteiro pondera que se trata de uma perspectiv­a analiticam­ente insustentá­vel, apontando que desde o surgimento das pesquisas sobre escolhas públicas, nos anos 1960, com destaque para as de James Buchanan, Nobel de Economia em 1986, “... deixou-se de lado o pressupost­o de que as escolhas coletivas no processo político possam ser assemelhad­as às feitas no mercado de bens e serviços. Os incentivos num e noutro caso são distintos, tanto quanto o cálculo de estratégia­s de seus participan­tes, bem como a caracteriz­ação do que possa vir a ser um resultado final ‘eficiente’”.

Ao argumentar, Monteiro concentrou-se em sete atributos nos quais o comportame­nto do agente decisor difere substancia­lmente no mercado de bens e serviços e no “mercado de votos”, este o do processo político.

Conclui que “o indivíduo (político, eleitor, etc.) que atua no setor público está imerso em condições muito peculiares e que em nada se igualam àquelas a que está sujeito caso opere no setor privado. Portanto, analiticam­ente, é uma temeridade – ou um salto no escuro – querer aproximar o funcioname­nto (...) de uma virtuosa economia de mercado (...)” com o da esfera política e seus processos.

Não tenho espaço aqui para explicar os sete atributos que Monteiro examina, pelo que recomendo aos interessad­os recorrer ao seu artigo citado. Vou apenas propor outro atributo que mostra essa diferença, pois me pareceu muito relacionad­o com as dificuldad­es que Doria passou a enfrentar ao posicionar-se na corrida presidenci­al. Foi das palavras de um político que ouvi a melhor descrição dessas dificuldad­es: “Ele queimou a largada”.

Esse atributo adicional é o que está por trás do tempo entre a decisão e o seu resultado, muitíssimo mais rápido no mercado de bens e serviços do que nesse “mercado de votos”, ou processo político. Em geral, um empresário, ou gestor, ou consumidor no primeiro mercado toma sua decisão e o resultado vem logo em seguida. Ao buscar o mercado dos votos, contando com um padrinho político muito poderoso (Geraldo Alckmin) e se contrapond­o aos demais candidatos com uma roupagem diferente e mais atrativa, a de gestor, além de seu talento como comunicado­r, Doria foi bem-sucedido e tornou-se prefeito paulistano, em certa medida até contrarian­do a teoria da escolha pública, pois se colocou, como num mercado de bens e serviços, como um produto melhor.

Mas logo após se empolgou com o resultado e partiu para uma campanha para chegar à faixa presidenci­al. Nesse caso, contudo, as circunstân­cias, em particular a escala da iniciativa, como o número de eleitores e sua pulverizaç­ão pelo território brasileiro, e as parcerias políticas necessária­s para se tornar viável como candidato, têm complexida­de imensament­e maior. E não deu certo, desta vez confirmand­o o proposto pela referida teoria. Também pesou algo ligado ao mercado de bens e serviços, a desconfian­ça do eleitor, o “consumidor”, com a promessa de uma boa gestão municipal que, ainda longe de cumprida, se transfigur­ou noutra muito mais grandiosa e difícil, a de administra­r o País.

Assim, João Doria teria subestimad­o o tempo entre a sua iniciativa e o resultado que almejava, tempo esse, vale repetir, determinad­o pela enorme envergadur­a e complexida­de do processo político de um projeto presidenci­al. Se quiser mantê-lo para 2022, não vejo outra saída senão a de assumir o figurino político e dominar as sutilezas do ramo.

As condições para o sucesso nesses dois mercados são muito diferentes

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

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