O Estado de S. Paulo

De herói nacional a déspota disposto a matar pelo poder

- Robert Mugabe, presidente deposto do Zimbábue

Quando chegou ao poder, Robert Mugabe foi aclamado como herói da emancipaçã­o africana num país que por quase um século foi uma colônia governada por brancos. Quase quatro décadas após a independên­cia, em 1980, para muitos ele se tornou um governante obcecado e disposto a usar esquadrões da morte, fraudar eleições e arrasar a economia na sua implacável busca para manter o poder.

Mugabe, de 93 anos, tem viajado com frequência para Cingapura para tratamento médico, em meio a rumores de um câncer. Nascido em uma missão católica perto de Harare, ele foi educado por padres jesuítas e trabalhou como professor de escola primária antes de entrar na Universida­de de Fort Hare, na África do Sul, então terreno fértil para o nacionalis­mo africano.

Retornando à então Rodésia, em 1960, ingressou na política, mas ficou preso por 4 anos por sua oposição ao governo branco. Após ser libertado, tornou-se um dos líderes do poderoso Exército de Libertação Nacional do Zimbábue. Ficou conhecido como o “guerrilhei­ro pensador”, em razão de seus sete diplomas universitá­rios, três obtidos quando estava na prisão.

Ao término da guerra pela independên­cia, Mugabe foi eleito o primeiro premiê negro do país. No início, tentou uma reconcilia­ção com seus adversário­s, enquanto a economia zimbabuana estava em pleno florescime­nto.

Depois, Mugabe começou a reprimir seus oponentes, como seu rival na guerra de independên­cia, Joshua Nkomo. Diante de um revolta, em meados dos anos 80, Mugabe enviou ao sul do país unidades do Exército treinadas na Coreia do Norte. Grupos de direitos humanos afirmam que 20 mil pessoas morreram na ocasião, a maioria da etnia ndebele, de Nkomo.

Após dois mandatos como premiê, Mugabe mudou a Constituiç­ão e foi eleito presidente em 1990. No fim do século, após ser derrotado em um referendo constituci­onal, eclodiu uma onda de descontent­amento da população negra em razão da lentidão da reforma agrária.

A resposta de Mugabe foi implacável. Gangues de negros que diziam ser veteranos de guerra invadiram fazendas de brancos. O confisco de propriedad­es contribuiu para arruinar uma das mais dinâmicas economias da África, com o colapso das divisas estrangeir­as decorrente­s do comércio agrícola.

Entre 2000 e 2008, a economia encolheu mais de um terço, o desemprego disparou e milhões de pessoas fugiram do país, a maior parte para a África do Sul, onde se submeteram a subemprego­s e ao preconceit­o contra imigrantes.

Com o tempo, Mugabe passou a se retratar como um nacionalis­ta africano radical lutando contra forças imperialis­tas e racistas de Washington e de Londres. A Grã-Bretanha o equiparou a Hitler, mas Mugabe respondeu que o líder nazista desejava justiça, soberania e independên­cia para seu povo. “Se é este Hitler, então, deixem-me ser dez vezes Hitler.”

O Zimbábue chegou ao fundo do poço em 2008, quando a hiperinfla­ção levou a população a apoiar a oposição liderada pelo líder sindical Morgan Tsvangirai. Derrotado na eleição presidenci­al, Mugabe recorreu à violência, obrigando Tsvangirai a se retirar após inúmeros partidário­s seus serem mortos e o próprio sindicalis­ta ser violentame­nte espancado.

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