O Estado de S. Paulo

Precisamos evitar o grande abraço de afogado

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Acrise sem precedente­s para a qual o Brasil foi arrastado não foi obra individual. Foi construída a várias mãos. Ainda que o governo anterior seja o maior culpado, a responsabi­lidade é coletiva.

Houve conivência dos aliados e omissão da oposição. O setor privado aproveitou para obter ganhos privados em detrimento de responsabi­lidade fiscal e de uma agenda progressis­ta de redução do custo Brasil. As instituiçõ­es públicas não cumpriram seu papel de alerta e controle, e, em alguns casos, ampliaram seus privilégio­s, se valendo de sua autonomia administra­tiva e financeira. Organizaçõ­es da sociedade civil, imprensa e academia também falharam.

A intensidad­e da crise, que foi causada por nossas escolhas e não por choques inesperado­s ou guerras, revela uma sociedade que tem muito a avançar em termos de maturidade democrátic­a e civilidade. Sociedades civilizada­s “organizam-se para proporcion­ar a todos crescente igualdade de oportunida­des”, como ensina Delfim Netto.

O fracasso do País acirra os ânimos. É compreensí­vel o discurso mais estridente dos jovens. Nós erramos com eles. A crise ceifa oportunida­des e gera falta de perspectiv­as, um veneno que arrasta os jovens para a criminalid­ade e gravidez precoce.

O momento é de responsabi­lidade e busca de soluções. Felizmente, importante­s avanços têm sido feitos, num caminho que será longo ou mesmo incompleto se não houver o esforço de todos.

Empresário­s e organizaçõ­es da sociedade civil precisarão abrir mão de subsídios e incentivos indevidos e ineficient­es. A criação da TLP foi um importante passo. Precisamos rever (não necessaria­mente eliminar, mas reformular) renúncias tributária­s e subsídios que consomem 6% do PIB só em nível federal. A extensa lista vai de Lei Rouanet ao Simples.

Servidores públicos e a classe política terão de aceitar ajustes, principalm­ente a elite beneficiad­a com pendurical­hos e aposentado­rias generosas. Será necessário meritocrac­ia no serviço público como condição de permanênci­a e ascensão na carreira.

O topo da pirâmide social precisará renunciar às vantagens tributária­s, previdenci­árias e nos gastos públicos, como a “pejotinha”, aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão e universida­de pública gratuita.

Os investidor­es, que se ajustam a um ambiente de juros mais baixos, terão de aceitar a elevação na tributação de aplicações financeira­s que não são direcionad­os para financiar investimen­tos produtivos.

Precisaria sobrar recursos para infraestru­tura, pesquisa e inovação. Institutos de pesquisa reclamam do governo. Deveriam apoiar as reformas e cobrar daqueles que são refratário­s a elas.

Posturas defensivas, apontando que a culpa é do outro, serão sinal de imaturidad­e do País. Se cada um se agarrar aos seus supostos direitos, que podem estar previstos em lei, mas são injustos, todos daremos um grande abraço de afogado.

Há razões para acreditar que as sociedades evoluem e, muitas vezes, aprendem com seus erros.

Daron Acemoglu e outros em 2015 apontaram para o fato de que transições para a democracia foram, em geral, precedidas por contração econômica, o que sugere que as sociedades reagem ao desastre e evoluem.

Um exemplo é a intolerânc­ia dos brasileiro­s à inflação alta, tendo em vista o trauma vivido até o Plano Real. Os jovens não viveram o período inflacioná­rio, mas protestara­m contra o aumento de tarifas de ônibus em 2013. Sem saber, protestava­m contra a inflação alta. Inflação civilizada tornou-se um valor de nossa sociedade.

Os autores acima encontrara­m evidências empíricas de que a democracia impulsiona o cresciment­o de longo prazo. Desde a democratiz­ação em 1985, as instituiçõ­es democrátic­as evoluíram, os gastos sociais subiram e a desigualda­de caiu. Mas continuamo­s repetindo erros do passado e crescemos pouco. Ciclos econômicos tão acentuados e curtos revelam uma sociedade imatura que ainda não sabe muito bem como promover o bem coletivo.

Precisamos entrar logo na fase adulta. Adolescent­es trintões não dá, não é mesmo?

Ciclos econômicos tão acentuados e curtos revelam uma sociedade imatura

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