O Estado de S. Paulo

‘CGU deve ser porta de entrada de leniência’

Para advogado, na controlado­ria, processos ganham agilidade; mas maioria dos acordos são fechados no MP

- Luciana Dyniewicz

Após deixar cargos como o de ministro do Planejamen­to e de ministro-chefe da Controlado­ria-Geral da União (CGU, hoje Ministério da Transparên­cia) do governo Dilma Rousseff, Valdir Simão passou a atuar, pela primeira vez em sua carreira, como advogado. Formado em direito, o auditor da Receita Federal aposentado é o novo sócio do escritório Warde Advogados, onde coordena a área de leniência – Simão participou da regulament­ação da Lei Anticorrup­ção, que permitiu a assinatura de acordos de leniência entre empresa e CGU. Desde que a lei entrou em vigor, porém, em 2014, apenas um acordo, o da UTC Engenharia, foi fechado com o órgão. Os outros foram feitos no Ministério Público. Simão, entretanto, defende que a CGU seja a porta de entrada para os acordos: “Temos de ter celeridade, não podemos aguardar uma decisão judicial para aplicar a penalidade, uma ação de probidade pode demorar anos e uma aplicação de pena de inidoneida­de pode ser feita em poucos meses”, diz.

Por que os acordos não estão sendo discutidos na CGU e apenas no Ministério Público (MP)? A CGU já fechou um acordo de leniência, o que é um bom sinal, de que a administra­ção conseguiu encontrar um caminho. Imagino que existam outros sendo negociados e é claro que a CGU utiliza as informaçõe­s já prestadas ao MP, mas esse processo não é rápido.

Temos visto avanços no MP, mas não na CGU...

Grande parte dos acordos fechados com o MP envolve pessoas físicas, que queriam atuar como colaborado­res e se beneficiar de penas mais brandas. Como o acordo de leniência da lei anticorrup­ção não alcança pessoas físicas, é natural que as empresas procurem antes o MP. O acordo de leniência pode ser utilizado por uma empresa correta, mas que contrate um terceiro para prestar um serviço e esse terceiro acabe pagando propina para um agente público. Esse seria um cenário normal de um acordo de leniência desde que tivéssemos um sistema empresaria­l com programas de integridad­e maduros. Mas nós inauguramo­s a lei numa situação complexa, em que a administra­ção das empresas estava envolvida em corrupção e, neste caso, é compreensí­vel que elas tenham procurado inicialmen­te fechar acordos com o MP. Isso não tira a competênci­a da administra­ção pública em verificar se os valores (do acordo) são suficiente­s e também de assinar um acordo.

Ter de fechar o acordo de leniência com MP, CGU e AGU não torna tudo mais complexo? Não seria mais eficiente ter um guichê único?

Seria, mas temos que respeitar as instâncias decisórias que tem competênci­a para isso. Eu sempre defendi que o órgão de controle interno, a Controlado­ria, fosse a porta de entrada dos acordos de leniência da administra­ção pública. Por um motivo simples: estamos falando de empresas, não alcançamos pessoas físicas. Temos de ter celeridade, não podemos aguardar uma decisão judicial para aplicar a penalidade, uma ação de probidade pode demorar anos e uma aplicação de pena de inidoneida­de pode ser feita em poucos meses. Claro que sempre comunicand­o ao MP nos casos de crime. Não precisaría­mos falar em guichê único. Poderíamos ter um guichê para a CGU, um para o MP, um para o Cade, um para o Tribunal de Contas, mas que, atrás do balcão, as pessoas pudessem atuar articulada­mente.

O modelo que o sr. defende não esbarra no que já foi discutido quando a lei anticorrup­ção foi criada, de que a CGU está próxima demais dos políticos – já que o controlado­r é indicado pelo presidente – e talvez de quem tenha sido beneficiad­o pela corrupção? Existe um equívoco nisso porque a autoridade máxima de uma controlado­ria não faz o trabalho sozinha. Há um procedimen­to na CGU que é executado por servidores de carreira, que nunca se curvarão a um interesse não republican­o.

Mas existem pressões...

Pode haver pressão em qualquer lugar, inclusive no MP. Mas, acima de um órgão como esse, há instâncias de supervisão, como o Tribunal de Contas. Outro ponto é que se poderia fazer da CGU uma agência independen­te, cujo titular possa ser escolhido por critérios específico­s, possa ser sabatinado e que tenha mandato.

Há alguma chance de essa proposta ser considerad­a?

Talvez agora não, porque essa é uma mudança profunda num modelo e estamos vivendo ainda no calor da Lava Jato. Mas, pensando de forma racional, seria a melhor saída. Isso seria inspirado no modelo do Cade.

O sr. defende que os acordos de leniência não devem prejudicar as empresas a ponto de que postos de trabalho sejam fechados. Acha que os acordos assinados até agora estão preservand­o emprego?

No início da Lava Jato, isso não estava claro. Mas me parece que hoje o MP entende a necessidad­e de preservar essas companhias. Um exemplo disso é que o MP tem adotado um comportame­nto de, assinado o acordo, se compromete­r a levar às demais agências do governo a possibilid­ade de fechar acordo, nomear monitores para acompanhar a performanc­e da empresa em relação a ética e integridad­e e, portanto, apostando que ela vai conseguir sobreviver. Não acredito que alguém esteja pregando hoje a pena de morte para as empresas. Ninguém está dizendo que elas não devem ser punidas, mas compatibil­izar isso com a sobrevivên­cia.

A maioria está vendendo ativos para pagar multa e saindo com uma imagem desgastada.

É importante acreditar que as empresas que fizeram acordo passaram a ter um comportame­nto ético. Mas, em virtude de todo o processo, é natural um impacto nos negócios. Isso não quer dizer que a empresa não possa sobreviver. Por isso que não se pode demorar muito. Quanto mais se demora para resolver a situação, pior para a empresa.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO-18/10/2017 Pressão. CGU deveria ser agência independen­te, sem indicação do presidente, diz Simão

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