O Estado de S. Paulo

Movimento sob as águas

- ADRIANO PITOLI

Um padrão bem estabeleci­do pela literatura e evidenciad­o pela pesquisa Focus, do Banco Central, é a tendência de os economista­s subestimar­em tanto a severidade das recessões quanto a força das retomadas. Embora os riscos políticos e fiscais ofereçam razões de sobra para a cautela, há boas chances de vermos um cresciment­o econômico maior que o 0,7% e os 2,5% previstos para este ano e 2018.

Mais importante­s são as correções de rumo que o País começa a colecionar e que, se consolidad­as e aprofundad­as, têm força para induzir um salto de produtivid­ade e dinamismo econômico:

Restituiçã­o da gestão macroeconô­mica, que tem permitido com surpreende­nte rapidez trazer a inflação e a taxa de juros para patamares mais próximos à normalidad­e internacio­nal.

Aprovação da reforma trabalhist­a e da terceiriza­ção, que, além dos ganhos de produtivid­ade, devem favorecer um mercado de trabalho mais inclusivo.

Reabertura comercial, com o freio ao protecioni­smo indiscrimi­nado, aliado à restauraçã­o do Mercosul e à retomada das negociaçõe­s com a União Europeia e a Aliança do Pacífico.

Intensific­ação do programa de concessões e privatizaç­ões, única solução para o crônico gargalo de infraestru­tura.

Resgate das agências reguladora­s, com a nomeação de quadros técnicos e agendas mais consistent­es.

Obrigatori­edade de consulta prévia ao Cade nos atos de concentraç­ão, associada a uma melhor articulaçã­o com o Banco Central em casos que envolvem o sistema financeiro, medidas que já se refletem num visível fortalecim­ento da autoridade antitruste do País.

Refundação das relações entre o setor público e o privado, com o ocaso do capitalism­o de compadrio; o fim de um pseudo Estado de Direito com seu histórico de impunidade a crimes de colarinho branco; proibição das doações empresaria­is; melhora de governança dos grupos envolvidos na Lava Jato, incluindo alienação de ativos, afastament­o dos executivos implicados, profission­alização da gestão e abertura de capital.

Garroteame­nto das finanças públicas. O teto de gastos, a rejeição de aumentos de impostos, a pressão por venda de ativos e o foco prioritári­o na Previdênci­a mostram que estamos chegando perto de um consenso quanto aos diagnóstic­os e a forma de desatar o nó fiscal.

Triunfo democrátic­o, principalm­ente quando comparado a outros países emergentes, com o País conseguind­o transpor com impression­ante serenidade uma nova destituiçã­o de presidente e a investigaç­ão criminal de grande parte da sua elite política. Tudo isso sem ameaças mais sérias à normalidad­e democrátic­a, à independên­cia do Judiciário e às liberdades civis.

É certo que todos esses avanços ainda estão em construção e são passíveis de revezes, mas o atual curso já aponta para um futuro bem mais promissor. E o que ainda não entrou na pauta, mas que seria igualmente importante? Há muitas frentes que também merecem o bom combate, mas fiquemos com estas seis: 1) introdução do parlamenta­rismo, único regime que parece ser capaz de alinhar incentivos entre Executivo e Legislativ­o e viabilizar rotas de saída diante de graves crises políticas. 2) Reforma tributária, menos pela redução da carga e mais pela urgência de reduzir a ineficiênc­ia e domar o monstrengo tributário nacional. 3) Criação de uma agência voltada a melhorar o ambiente competitiv­o em setores não regulados. 4) Fortalecim­ento da Anvisa e da ANS, que respondem por um setor vital para o bem-estar social e se deparam com uma gama crescente de questões de elevada complexida­de. 5) Estímulo à gestão privada nas escolas públicas, a exemplo das escolas charters americanas e das academies inglesas. 6) Mudança de status jurídico das universida­des públicas, que deveriam ser submetidas a metas de excelência acadêmica mais rigorosas e compromiss­os de buscarem uma verdadeira autonomia administra­tiva e fontes autônomas de recursos.

DIRETOR DA ÁREA DE ANÁLISE SETORIAL E INTELIGÊNC­IA DE MERCADO DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A

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