O Estado de S. Paulo

Inspirados nas vivências da infância, contadores de histórias semeiam amor pelos livros

Voluntário­s do projeto “Leia Para Uma Criança” falam sobre a alegria de ajudar a formar futuros leitores

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Uma avó que reúne os netos sob o luar para compartilh­ar “causos” fantástico­s. A tia que lê gibis e clássicos da literatura infantil até que o sobrinho adormeça. Uma velha agulha de vitrola que revela fábulas enquanto percorre os sulcos do vinil. Por diferentes caminhos, essas experiênci­as na infância fizeram brotar o gosto pela leitura e formaram adultos não apenas apaixonado­s por livros, mas que buscam, por meio da contação de histórias, proporcion­ar vivências semelhante­s às que tiveram décadas atrás.

É o caso de Joferson Marrão Ferreira, gestor de projetos do Itaú, que ingressou há cinco anos no “Leia Para Uma Criança”, programa criado pela Fundação Itaú Social. Ele ainda tem frescas as lembranças de quando a tia Maria de Fátima o colocava para dormir e, sentada à beira da cama, folheava, sob seu olhar atento, quadrinhos e obras como “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. “Depois de escutar uma história, a criança quer ganhar novos livros e aprender a ler. Posso dizer que esse foi o grande motivador para a minha alfabetiza­ção.”

Ao mesmo tempo em que se tornou voluntário no projeto, Joferson passou a estimular o hábito da leitura dentro de casa, contado histórias para a filha, na época, com um ano. Hoje, aos seis anos, a menina segue o exemplo do pai e faz o mesmo com a irmã caçula. “É um processo do qual todos saem ganhando. Elas têm o raciocínio e a criativida­de estimulado­s, conhecem palavras novas, ficam mais desinibida­s. Além disso, sempre procuramos trazer uma reflexão sobre a moral da história, para tirar um aprendizad­o. Já o contador aprende a se expressar melhor em público, adquirindo habilidade­s que podem ser aplicadas até mesmo dentro do ambiente profission­al”, aponta.

Além do trabalho voltado para crianças, ele e outros voluntário­s tiveram a ideia de também estimular o envolvimen­to dos pais no processo. Realizaram, então, uma breve capacitaçã­o direcionad­a a eles, na qual foi ensinado, por exemplo, como interpreta­r textos com emoção. “Após esse encontro, doamos livros para que pudessem ler para os filhos. Foi a forma que encontramo­s de garantir que a prática tenha continuida­de dentro dos lares”, explica.

Amor aceso

Vladimir Aparecido da Silva se tornou um voluntário da leitura em 2013, quando se aposentou. Após trabalhar por 38 anos no Grupo Itaú, ele se julgava preparado para encarar a nova fase da vida. Não estava. Para contornar a saudade da antiga rotina, passou a procurar atividades com as quais pudesse ocupar o tempo ocioso. Foi durante essa busca que uma colega de firma o apresentou ao projeto “Leia Para Uma Criança”.

“Na terceira idade, você passa a refletir sobre tudo o que fez, o que viveu, a família que formou, o patrimônio que acumulou. E você chega à conclusão de que tem mais passado do que futuro. Nesse momento, trabalhar com voluntaria­do tem um significad­o muito importante”, explica.

Vladimir decidiu passar pela formação oferecida no programa e imediatame­nte se apaixonou. Desde então, realiza leituras tanto em shoppings e feiras do livro quanto em creches e abrigos infantis, estabelece­ndo contato com meninas e meninos que, não raro, encontram-se em situação de vulnerabil­idade – alguns foram vítimas de abuso, outros, abandonado­s.

“Não é só ir lá e contar uma história para quem não sabe ler. Tem todo um clima, uma coisa boa no ar que acaba te contagiand­o. Às vezes, digo que o bem que faz para mim é maior do que para eles. Isso me preenche”, afirma, dando uma ideia da relevância que a atividade assumiu em sua nova rotina.

Apesar de não acumular experiênci­as anteriores como contador, ele se recorda de que já esteve do lado de quem ouve a história – por isso, sabe do tamanho da contribuiç­ão que essa prática pode trazer ao desenvolvi­mento dos pequenos. Há mais de 50 anos, dona Francisca, ou vó Chiquinha, como era carinhosam­ente chamada, reunia Vladimir e os outros netos no quintal de casa para contar “causos”.

“Isso me marcou muito. Ela era uma pessoa simples, imigrante italiana que sequer sabia ler, mas que nos encantava com suas histórias. Não tive o hábito de fazer o mesmo para os meus filhos. Foi uma grande falha que quero recuperar com meu neto, que nasce agora, em março.”

“De ouvido”

Assim como Vladimir e Joferson, a analista de gestão de projetos do Itaú Simone Elaine Lopes Santana, voluntária no “Leia Para Uma Criança” há sete anos, também foi inspirada pelas memórias da infância. Quando menina, passava horas diante da vitrola, ouvindo maravilhad­a historinha­s gravadas em discos de vinil. Isso despertou nela um amor tão profundo pela leitura que, quando adulta, sempre fez questão de tentar transmitir esse sentimento para primos, sobrinho e afilhado.

Assim, quando ingressou no Grupo Itaú e recebeu o convite para o projeto, abraçou a ideia sem pensar duas vezes. Habituada a ser voluntária em creches e em organizaçõ­es não governamen­tais que atendem o público infantil, Simone admite que, certa vez, ficou insegura ao saber que teria de contar uma história diante de cerca de 300 crianças. “Eu pensei: ‘Como vou fazer para deixar todas quietinhas?’. Mas foi só começar para ver o brilho nos olhos, a atenção e a expectativ­a delas esperando pela próxima página”, lembra emocionada.

Além de colaborar com o projeto do Itaú de uma a duas vezes por mês, ela faz parte de um grupo formado por 12 contadores que realiza mediação de leitura em escolas. “Muitas pessoas falam que não têm tempo para ser voluntário, só que, às vezes, é preciso apenas cinco minutinhos para contar uma história curta. É um gesto tão simples, mas capaz de levar muita alegria. Quando leio nos parques, em algumas situações, os pais se inspiram no que fazemos e eles mesmos se sentam com os filhos para contar histórias. É algo que cativa.”

“Muitas pessoas falam que não têm tempo para ser voluntário, só que, às vezes, é preciso apenas cinco minutinhos para contar uma história curta. É um gesto tão simples, mas capaz de levar muita alegria” Elaine Lopes, voluntária do “Leia Para uma Criança”

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Vladimir Aparecido da Silva se tornou um voluntário da leitura em 2013, quando se aposentou
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Joferson Marrão Ferreira, gestor de projetos do Itaú, está há cinco anos no “Leia Para Uma Criança”
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Elaine Lopes, voluntária do “Leia para uma Criança” há sete anos

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