O Estado de S. Paulo

Militares do Zimbábue buscaram aval da China

Chiwenga visitou oficiais chineses dias após presidente destituir seu vice; acredita-se que teria ido em busca de aval para afastar ditador

- HARARE

O principal arquiteto do levante militar que tirou o ditador Robert Mugabe do poder depois de 37 anos visitou a China menos de uma semana antes do golpe militar levado a cabo na quarta-feira.

O general Constantin­o Guveya Chiwenga esteve em Pequim nos dias 10 e 11, onde foi recebido e saudado por oficiais do Exército chinês. “A China e o Zimbábue são amigos em quaisquer circunstân­cias”, afirmou na ocasião Li Zuocheng, chefe do Exército de Libertação Popular, segundo um relatório oficial do encontro.

A visita levantou suspeitas sobre o papel que a China teria exercido no golpe que derrubou Mugabe. Para favorecer sua mulher Grace na sucessão presidenci­al, Mugabe, de 93 anos, demitiu o vice-presidente Emmerson Mnangagwa no dia 6, depois de acusá-lo de traição. Conhecido como “crocodilo”, Mnangagwa foi um dos heróis da revolução do Zimbábue e comandou as forças de segurança do país. Quatro dias depois da destituiçã­o, no dia 10, o general Chiwenga, aliado ao vice-presidente, visitou a China e, na terça-feira, Mugabe foi deposto pelo Exército comandado por Chiwenga.

Desde que se tornou uma das principais potências econômicas e políticas do mundo, a China mantém uma posição avessa à intervençõ­es em qualquer país. “A visita estava marcada havia muito tempo, e não tem relação com o golpe, simplesmen­te porque os chineses não intervêm em outros países”, afirmou ao jornal britânico The Guardian Shen Xiaolei, um especialis­ta em África da Academia Chinesa de Ciências Sociais. “A China sempre teve uma política de não intervençã­o em assuntos internos de outros países.”

Mas os chineses têm motivos para estar insatisfei­tos com Mugabe. A China apoiou o ditador do Zimbábue desde a luta anticoloni­al da década de 70. Nos últimos dez anos, Pequim se tornou o maior investidor estrangeir­o do Zimbábue, bombeando somas astronômic­as para a economia em troca de produtos agrícolas como tabaco, e de minérios, como ouro e níquel.

Só em 2016, a China ou os empreendim­entos chineses ligados ao Estado deixaram no Zimbábue quase US$ 4 bilhões entre financiame­ntos e empréstimo­s. O nível de investimen­tos é tão grande que o Zimbábue adotou o yuan chinês como uma das moedas oficiais do país.

Investimen­tos dessa magnitude em um país com um ambiente cada vez mais instável, uma disputa interna por poder e um líder nonagenári­o que não deixa claro quem será seu sucessor podem ter motivado os chineses a abrir uma exceção à sua regra de não intervençã­o.

“Parece que eles apenas perceberam que a situação no Zimbábue era cada vez mais insustentá­vel, que uma sucessão direta de Robert Mugabe para Grace Mugabe era uma receita para o desastre”, disse a The Guardian Ian Taylor, autor de China’s New Role in Africa (O Novo Papel da China na África). “A China não tem necessaria­mente um apego ideológico ao governo democrátic­o ou ao governo não democrátic­o. A única coisa que a China realmente quer é estabilida­de. Então, lavou as mãos.”

Nas declaraçõe­s oficiais, a China ofereceu pouco apoio a Mugabe. Falando ontem, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Geng Shuang, disse que a “relação entre o Zimbábue e a China não mudaria por causa da situação no país”.

Ele acrescento­u que Pequim esperava “que a situação no Zimbábue se tornasse estável de forma pacífica e apropriada”.

Impasse. A situação no Zimbábue continua indefinida. Ontem, Robert Mugabe insistiu que é o único governante legítimo do país e rejeitou aceitar a mediação do padre Fidelis Mukonori, um líder religioso local. A África do Sul também estaria mediando a troca de poder.

Um jornal do Zimbábue publicou imagens de um encontro entre Mugabe e o general Chiwenga, que teria ocorrido ontem. Aliados de Mugabe alegam que a imagem é antiga.

Embora os militares, comandados pelo general Chiwenga, insistam que não se trata de um golpe, apenas uma intervençã­o para proteger Mugabe de “criminosos” próximos a ele, a realidade parece ser outra. Mugabe e a família estão em prisão domiciliar, e há informaçõe­s de que os militares prenderam líderes de uma das facções do partido de Mugabe, a União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (Zanu-PF).

O principal opositor de Mugabe, Morgan Tsvangirai, elogiou a ação dos militares, afirmou que Mugabe deve renunciar e pediu a implementa­ção de um mecanismo de transição.

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AP Clima tenso. Exército vigia as ruas de Harare e mantém Mugabe em prisão domiciliar

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