O Estado de S. Paulo

DO PALÁCIO À PRISÃO

Preso há exatamente 1 ano, ex-governador do Rio se diz vítima de um juiz ‘parcial’; peemedebis­ta já foi condenado a 72 anos por corrupção

- Roberta Pennafort / RIO

Governador reeleito com 66% dos votos, um recorde no Rio, Sérgio Cabral completa hoje o primeiro ano na cadeia. O candidato que começou a carreira se opondo a velhas práticas da política já acumula 72 anos de prisão – e pode chegar a 300 anos, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros crimes, informa Roberta

Pennafort. A defesa nega as acusações.

Doze meses na detenção, 72 anos de prisão em três sentenças e a possibilid­ade de, no mínimo, condenaçõe­s a três séculos de cadeia em 13 denúncias já ajuizadas. Assim o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) completa hoje seu primeiro ano preso, enquanto se defende de acusações de crimes por corrupção, lavagem de dinheiro, pertencime­nto a organizaçã­o criminosa e evasão de divisas.

Ultimament­e, sua defesa tem se concentrad­o em apresentál­o como vítima de um juiz “parcial” (o titular da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas) e de “histeria coletiva” em torno de seu nome. Bretas não quis comentar as acusações.

O peemedebis­ta conquistou, em sua reeleição, em 2010, a maior votação já recebida por um candidato ao governo do Estado em primeiro turno – 66% dos votos válidos). Chegou a ser aventado como possível vice na chapa com Dilma Rousseff em 2014. Hoje, ostenta outros “títulos”. Foi o primeiro governador condenado na Lava Jato, por exemplo. Também recebeu a sentença mais pesada da operação, 45 anos e dois meses de cadeia, em processo relativo a propinas em obras como a do Maracanã e o PAC das Favelas. No Brasil, um preso fica na cadeia por até 30 anos.

O caso Cabral tornou-se ruidoso não só pelas cifras que envolveu. O esquema que, segundo o Ministério Público Federal, começou em janeiro de 2007, primeiro mês do primeiro mandato, teria movimentad­o cerca de R$ 1 bilhão. Também chocou pela exibição da riqueza adquirida de forma escusa, simbolizad­a pela casa em Mangaratib­a, no litoral sul fluminense, avaliada em R$ 8 milhões, e que deve ser leiloada, além das viagens ao exterior. É a “corrupção ostentação”, apontam seus acusadores.

Joias. Filho da classe média carioca, o político que começou a carreira opondo-se a práticas velhas da política, virou colecionad­or de ternos da grife italiana Ermenegild­o Zegna, feitos à mão, sob medida e com o nome do dono bordado na parte de dentro do bolso. Também acumulou joias das mais caras lojas do Rio, compradas para presentear a mulher, Adriana Ancelmo (hoje em prisão domiciliar), e para lavar dinheiro sujo.

Entre 2012 e 2016, segundo as investigaç­ões, Cabral gastou R$ 6 milhões com anéis, pulseiras, brincos e colares em apenas uma joalheria. Tudo pago em dinheiro e sem nota. “Ele demonstrou uma voracidade muito grande, incomum. Esses valores que descortina­mos podem até existir em outras investigaç­ões, mas nós conseguimo­s provar”, disse o procurador Leonardo Freitas, da força-tarefa da Lava Jato no Rio. “O que torna sua organizaçã­o ímpar é a dimensão que ela teve: praticamen­te todo o aparato do Estado.”

Até na Cadeia Pública José Frederico Marques, reformada para recebê-lo, o ex-governador estaria mantendo o “status”. Teria um “mordomo” para limpar e organizar a cela que divide com cinco pessoas e teria tentado comprar uma sala com home theater para ver filmes. A instalação da cinemateca na prisão, no entanto, foi frustrada pela Secretaria de Administra­ção Penitenciá­ria e o caso passou a ser investigad­o.

De dia, Cabral e os demais presos convivem na galeria, de 800 metros quadrados, e frequentam a biblioteca. “Os servidores escalados para esta galeria têm perfil mais discreto e o respeitam, mas tentam tratá-lo como um preso qualquer. Só que quem tem dinheiro tem sempre alguém para servi-lo, no presídio ou em qualquer lugar”, afirmou um agente penitenciá­rio.

Carreira política. As investigaç­ões mostram indícios de irregulari­dades desde que Cabral era deputado. Sociável e comunicati­vo, herdeiro da simpatia que o Rio nutre por seu pai, o jornalista Sérgio Cabral, ele entrou para a política aos 19 anos. Pouco depois já era diretor da Companhia de Turismo do Estado do Rio (TurisRio), na gestão Moreira Franco (PMDB).

Suas bandeiras na Assembleia Legislativ­a, casa em que entrou ainda pelo PSDB, foram a juventude e o idoso. Deputado estadual de 1991 a 2003, quando foi para o Senado, presidiu a Assembleia a partir de 1995.

No Palácio Guanabara (2007-2014), não teve oposição, lembrou o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio. “Cabral perdeu a noção e deixou muitos rastros. Hoje, as pessoas perguntam: por que ninguém denunciou? Ele foi blindado de qualquer tipo de investigaç­ão pelo arco grande de alianças, apoio do governo federal, da Alerj, do Tribunal de Contas, a neutraliza­ção de parte importante da esquerda.”

Para Ismael, só quando as relações promíscuas com empresário­s surgiram, em 2012, e com as manifestaç­ões de 2013 sua base ruiu. Cabral renunciou em 2014 e “desaparece­u”.

O ex-governador já recorreu das três condenaçõe­s. Sustenta que apenas fez mau uso de dinheiro de campanha – caixa 2. Nega ter recebido propina. Segundo o advogado Rodrigo Roca, Cabral segue “com o espírito muito forte”, “confiante” e “decidido a provar sua inocência”.

Hoje, o primeiro ano de prisão do peemedebis­ta será comemorado por bombeiros, que planejam cortar um bolo do lado de fora da cadeia. “Se ele ficar 30 anos preso, farei festa a cada ano”, disse o subtenente Valdelei Duarte. Na gestão Cabral, a categoria foi punida por causa de uma greve e bombeiros foram chamados de “vândalos” pelo então governador.

“Não medimos nossas vitórias e derrotas pelas decisões da 7.ª Vara, porque o juiz não demonstra imparciali­dade.”

“Parece que vêm mais dez denúncias por aí, (a pena) pode passar de 300 anos (...) Criou-se uma histeria coletiva com seu nome.” Rodrigo Roca ADVOGADO DE SÉRGIO CABRAL

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO
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FABIO MOTTA / ESTADÃO-24/5/2017 Audiência. Cabral em maio, após depor ao juiz Marcelo Bretas, que conduz a Lava Jato no Rio

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