O Estado de S. Paulo

O calote venezuelan­o

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Asituação da Venezuela torna-se cada vez mais dramática à medida que Nicolás Maduro se sustenta no poder. A única chance de os venezuelan­os voltarem a sonhar com um futuro de normalidad­e institucio­nal, política e econômica repousa, necessaria­mente, na realização de eleições livres e limpas. Verdadeira­mente livres e limpas, e não estes simulacros de eleições que só servem para passar um verniz de democracia sobre uma sangrenta ditadura, que só entre maio e julho deste ano matou 107 pessoas.

Somente candidatos eleitos diretament­e pelo povo, tanto para o Poder Executivo como para o Poder Legislativ­o, podem, desde que desvincula­dos das nefastas ideias do chavismo, resgatar a Venezuela da espiral de infortúnio­s em que se encontra.

Além de suprimir as mais comezinhas liberdades e valores democrátic­os, como a existência de uma oposição livre, Nicolás Maduro arruinou a economia venezuelan­a a tal ponto que a crise de desabastec­imento levou cidadãos a disputarem comida nas ruas das principais cidades do país. À violência estatal uniu-se a violência urbana, tornando a Venezuela, hoje, um dos países mais perigosos do mundo.

Na terça-feira passada, duas agências internacio­nais de classifica­ção de risco, a Standard & Poor’s (S&P) e a Fitch, declararam o “default parcial” (calote) da dívida externa venezuelan­a e da PDVSA, a estatal do petróleo, após o inadimplem­ento de US$ 200 milhões em bônus globais. A ficha do país só foi parcialmen­te manchada, por enquanto, porque o total da dívida externa chega a US$ 150 bilhões. Nem uma nem outra agência, no entanto, descartam um calote total no próximo trimestre porque as reservas internacio­nais da Venezuela são muito baixas frente aos valores dos próximos compromiss­os do país.

“O default (total) é quase inevitável. É tarde demais para tentar uma reestrutur­ação. Além disso, quem compraria uma dívida nessas condições?”, questionou Ludovic Subran, economista da seguradora Euler Hermes.

A declaração do calote é mais um fragoroso sinal do fracasso do regime bolivarian­o, que só não é capaz de enxergar – ou de admitir – quem dele faz parte ou dele se serve para alimentar as suas cantilenas domésticas, como é o caso, aqui no Brasil, do PT e de suas legendas auxiliares.

A crise econômica que culminou na recente declaração de calote parcial pelas agências de risco agravou-se a partir de 2014, quando o preço do barril de petróleo sofreu importante queda devido ao aumento da produção dos Estados Unidos, sobretudo nas áreas de xisto, e à redução da demanda pelo óleo na Europa e na Ásia. Membro da Organizaçã­o dos Países Exportador­es de Petróleo (Opep), a Venezuela produz, aproximada­mente, 2 milhões de barris de óleo cru por dia, dependendo, primordial­mente, da exportação do petróleo para sustentar sua economia.

No início do ano, a Venezuela só conseguiu honrar os seus compromiss­os externos graças a financiame­ntos obtidos com a China, a Rússia e os Estados Unidos, paradoxalm­ente, o país escolhido por Nicolás Maduro como o “vilão” preferido para alimentar sua narrativa interna de sustentaçã­o no poder.

As sanções impostas ao regime venezuelan­o pelo governo de Donald Trump, em agosto, tornaram virtualmen­te impossível a obtenção de novos créditos para refinancia­mento da dívida. Tanto a Standard & Poor’s como a Fitch sustentam em seus relatórios que esta foi uma das circunstân­cias determinan­tes para a declaração de calote.

“As sanções americanas, provavelme­nte, resultarão em uma longa e difícil negociação com os proprietár­ios de títulos”, declarou a S&P. No mesmo sentido, a nota da Fitch afirma que “o processo de renegociaç­ão da dívida da PDVSA será longo em razão das sanções impostas pelos EUA”.

A iminente moratória fará a Venezuela descer mais alguns metros além do fundo do poço. Só um governo democratic­amente eleito e disposto a apaziguar contas e espíritos será capaz de resgatá-la.

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