O Estado de S. Paulo

Justiça militar vai apurar chacina no Rio

Até agora, só os policiais civis eram investigad­os, atendendo à legislação vigente desde outubro; nem perícia na arma dos soldados foi feita

- Roberta Jansen / RIO

Depois de cinco dias de impasse nas investigaç­ões, a Justiça Militar anunciou ontem que vai apurar a chacina ocorrida no sábado durante um baile funk no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Apesar de sete homens terem morrido baleados no mesmo momento em que se desenrolav­a uma ação conjunta de militares e policiais civis, os comandos das forças garantem que nenhum tiro foi disparado por seus agentes.

Até agora, no entanto, só os civis eram investigad­os. “Temos sete corpos no chão que ninguém reconhece”, afirma o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratóri­o de Análise da Violência da Universida­de Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Isso é algo novo até para o Rio. E é extremamen­te grave.”

A Procurador­ia Militar instaurou na terça um Procedimen­to de Investigaç­ão Criminal e já pediu ao Comando Militar do Leste (CML) informaçõe­s sobre a ação na comunidade. A depender do apurado, novas diligência­s ou provas técnicas podem ser requeridas ou a instauraçã­o de um inquérito policial-militar será solicitada. Se isso ocorrer, será a primeira investigaç­ão desse tipo realizada sob a nova legislação, que garante julgamento na Justiça Militar de militares que participem de ações de segurança pública.

A investigaç­ão aberta pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo ouviu os policiais que participar­am da ação – e negaram ter feito disparos. Mas não poderia tomar depoimento­s dos militares porque a Polícia Civil não teria atribuição para investigar crimes dolosos contra a vida cometidos por homens das Forças Armadas.

“Até que seja comprovada a ação dos militares, a investigaç­ão deveria ser inteiramen­te da pela Polícia Civil, mas cria-se um novo espaço de impunidade, no qual todos estão se escorando para que nada seja apurado”, sustenta Cano. “O uso excessivo da força é uma tradição das incursões a comunidade­s no Rio, mas uma intervençã­o que ninguém reconhece é inédito. Só revela os perigos dessa mudança na legislação.”

Oficialmen­te, a ação foi chefiada pela Coordenado­ria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil e contou com o apoio de 15 militares do Exército, dois blindados e dois motoristas. Outros 15 policiais civis participar­am, juntamente com um terceiro blindado, da Core.

Nem o CML nem a Polícia Civil informam o motivo da incursão. Moradores contam que os tiros foram disparados por encapuzado­s saídos de blindados.

Perícias foram feitas no local do crime, nos corpos e nas armas dos policiais, mas nenhum laudo foi divulgado. No caso dos militares, nem a perícia das armas foi pedida.

“Os procedimen­tos investigat­órios já estão sendo realizados com os militares”, disse ontem o porta-voz do CML e do Estado-Maior Conjunto, coronel Roberto Itamar. “O Ministério Público também pode solicitar as armas, que estão à disposição. Mas nenhuma perícia foi feita ainda nas armas porque não houve disparo na ocasião.”

O governo federal autorizou o uso das Forças Armadas para reforçar a segurança do Rio em julho. No total, 8,5 mil agentes foram deslocados para a missão. Desde então, eles têm ajudado as polícias em operações para prender traficante­s e apreender armas.

Notas. A Secretaria de Segurança se recusou a dar esclarecim­entos, alegando que “seria uma atribuição da Polícia Civil, que coordenou a ação”. A Polícia Civil, porém, diz que “não tem o que falar, o processo investigat­ório é sigiloso e só voltará a se pronunciar ao fim das investigaç­ões”.

 ?? LUIZ ACKERMANN/AGÊNCIA O DIA-12/11/2017 ?? Enterro em São Gonçalo. Nenhum laudo foi divulgado; especialis­ta fala em ‘limbo jurídico’
LUIZ ACKERMANN/AGÊNCIA O DIA-12/11/2017 Enterro em São Gonçalo. Nenhum laudo foi divulgado; especialis­ta fala em ‘limbo jurídico’

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