O Estado de S. Paulo

Os riscos do bitcoin

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Não foi nem aviso do tipo que aparece nos maços de cigarro, o de risco de câncer, nem de publicação de lista de efeitos colaterais, como os apontados nas bulas dos remédios.

Em iniciativa conjugada, o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) emitiram comunicado­s nesta quinta-feira em que advertem para os riscos de aplicações em bitcoins e em outras criptomoed­as, ativos criados por computador e cada vez mais negociados em todo o mundo. O bitcoin, por exemplo, teve uma valorizaçã­o em reais de nada menos de 2.500% em cerca de três anos, o que indica alta procura e relativa baixa oferta desse ativo (veja o gráfico).

Este já não é um negócio que se atém a instituiçõ­es desconheci­das. Grandes corretoras formal ou informalme­nte passaram a intermedia­r transações com essas moedas, mais ou menos como também operam com dólares no mercado paralelo.

O bitcoin não está mais sozinho. O site CoinMarket­Cap identifico­u nesta quinta-feira a existência de 1.287 moedas do tipo que, juntas, atingiram valor de mercado de US$ 226 bilhões. Comparado com o patrimônio global em ativos financeiro­s, que hoje alcança mais de dez vezes o PIB global (mais de US$ 750 trilhões), esse volume ainda é insignific­ante. Mas pode crescer. Na trilha do bitcoin, as mais importante­s moedas virtuais também levam nomes esquisitos: ethereum, bitcoin cash, ripple, litecoin, dash, iota, monero e neo.

As advertênci­as desta quinta-feira já foram feitas por outros especialis­tas. No entanto, para não ir mais para trás, como o caso da especulaçã­o com bulbos de tulipas na Holanda ou com ações de bancos fajutos nos Estados Unidos, no início deste século, quando do estouro das ações de empresas ponto.com e em 2008, quando da eclosão da crise dos títulos subprime, nenhuma instituiçã­o importante achou necessário sugerir sair de casa com guarda-chuva e galocha diante das previsões de tempo ruim pela frente. Agora, embora desdenhem a importânci­a dessas moedas virtuais, entenderam que precisam alertar para o risco de formação de bolhas.

A mais importante advertênci­a é a de que não há autoridade nem legislação que garanta a conversão dessas moedas em outros ativos monetários. Se forem “pirâmides”, como alguns vêm denunciand­o, e desabarem, como outros temem, não há atenuantes para as perdas.

Alerta de outra ordem também foi feito pelo BC e pela CVM: o de que essas moedas também têm sido usadas em atividades ilícitas, principalm­ente em lavagem de dinheiro e, como tal, quem estiver envolvido direta ou indiretame­nte nessas operações “pode estar sujeito à investigaç­ão por autoridade­s públicas”. Esse risco, é bom observar, não envolve apenas as criptomoed­as. Dólares, euros, reais ou outras quaisquer também vêm sendo usados em atividades ilícitas no Brasil e no mundo, sem que tenham merecido esse tipo de aviso.

Nem o BC nem a CVM admitem que estamos diante da iminência do estouro de nova bolha. Também não chegam a condenar esses ativos. O BC admite que as autoridade­s internacio­nais já se debruçaram sobre o novo fenômeno, mas até agora não viram nele necessidad­e de regulament­ação. Ou seja, nem a “mineração”, nem sua custódia, nem as transações desses ativos constituem ameaças ao funcioname­nto do sistema monetário. E continuam lícitas. O que há é que não dispõem da chancela de César que as garanta. Em caso de sinistro, não há nem seguradora nem lei a cujo cumpriment­o recorrer para eventuais ressarcime­ntos.

Como a defender-se de eventual acusação de que inibe a modernidad­e, o BC termina seu comunicado com a ressalva de que continua apoiando inovações financeira­s, “inclusive as baseadas em novas tecnologia­s”.

A CVM é mais formalista. Parece mais preocupada com a ameaça de que as instituiçõ­es financeira­s envolvidas nessa novidade escapem a seu controle do que em considerar a importânci­a dessas inovações no aumento da eficiência do sistema financeiro global. Por isso, na falta de regulament­ação, sugere que as instituiçõ­es interessad­as em lançar ofertas iniciais dessas moedas “se atentem a todo o arcabouço regulatóri­o existente”.

Em síntese, como aconteceu desde a descoberta do fogo, não se podem ignorar os riscos das inovações. Ainda hoje, todos os anos milhares de pessoas ao redor do mundo morrem queimadas. Mas também não se pode pretender abafar o futuro, como o fez a Igreja medieval que, à época, condenou uma inovação: toda e qualquer prática de juros.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil