O Estado de S. Paulo

Instinto de sobrevivên­cia

- ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Aconfigura­ção da disputa presidenci­al tem sido fonte de grande apreensão. Entre a perspectiv­a de desmantela­mento da política econômica em vigor, como vem prometendo Lula, e a possibilid­ade de que o País fique ao sabor do primitivis­mo inconseque­nte de Jair Bolsonaro, cresce o clamor por uma união das forças políticas de centro.

Não falta quem pondere que, até por simples instinto de sobrevivên­cia, os partidos de centro teriam de se aglutinar em torno de uma mesma candidatur­a. A verdade, contudo, é que as articulaçõ­es nesse sentido vêm enfrentand­o dificuldad­es de toda ordem. E acumulam-se evidências de que, por mais forte que sejam seus instintos de sobrevivên­cia, os partidos de centro podem perfeitame­nte não conseguir se acertar, em 2018, para dar apoio conjunto a um candidato a presidente que tenha boa chance de ser eleito.

Quando a resultante de um sistema de forças parece surpreende­nte, há que indagar se não há outras forças importante­s em jogo que não estão sendo considerad­as. No caso, as forças que talvez não estejam sendo levadas em conta devidament­e são as provenient­es de uma aliança tácita, cada vez mais poderosa, fundada num mesmo temor que hoje perpassa, da esquerda à direita, as cúpulas de todos os partidos políticos de maior expressão: a preocupaçã­o com os desdobrame­ntos da Lava Jato e operações similares.

Desse temor compartilh­am correligio­nários e adversário­s: Temer e Lula, grande parcela dos governador­es e parte substancia­l dos membros do Congresso Nacional. Mais de 20% dos congressis­tas hoje enfrentam dificuldad­es com tais operações. E, é bom que se diga, não se trata do baixo clero. Está aí incluída boa parte dos parlamenta­res mais proeminent­es do Congresso. Não há, portanto, como ter dúvidas sobre quão poderosa pode ser essa numerosa Confraria dos Atingidos pela Lava Jato e Operações Similares, designação que talvez possa ser encurtada para CALAJATO.

A análise baseada no instinto de sobrevivên­cia faz sentido. Mas é importante ter em conta a real natureza do instinto de sobrevivên­cia que, de fato, vem pautando o comportame­nto de boa parte dos principais atores políticos envolvidos. O que os move não é a preocupaçã­o com a sobrevivên­cia das forças políticas de centro, e, sim, com sua própria sobrevivên­cia, num sentido muito mais estrito e elementar: salvar a própria pele e escapar da Lava Jato.

Veladament­e, os “atingidos” compartilh­am da urgência de “estancar a sangria”, procuram permanecer sob a estrita proteção do foro privilegia­do e acalentam a possibilid­ade de, quem sabe, conseguir se beneficiar de algum tipo de anistia ou de mudanças providenci­ais da legislação, na linha do que se mostrou possível na Itália, na esteira da efêmera Operação Mãos Limpas.

Ter a importânci­a dessa confraria em conta ajuda a entender com mais clareza as atribulada­s articulaçõ­es políticas que vêm sendo ensejadas pela eleição de 2018. Torna mais compreensí­vel, por exemplo, a determinaç­ão com que Aécio Neves deu por findo seu curto período de resguardo para se desincumbi­r, com espantosa truculênci­a, da missão de enterrar de vez o discurso constrange­dor que vinha sendo ensaiado no PSDB, por Tasso Jereissati. Deixa também mais clara a real natureza das pressões “supraparti­dárias” a que vêm sendo submetidos os tribunais superiores.

Com tantos atores políticos influentes primordial­mente preocupado­s com a salvação da própria pele, o esforço para consolidaç­ão de uma coalizão ampla de centro, na disputa presidenci­al de 2018, promete ser bem mais difícil do que já seria. Inclusive porque, entre os mais gravemente atingidos pela Lava Jato, vem ganhando força a convicção de que, a esta altura, o mais seguro para salvar o próprio pescoço parece ser apostar na vitória de Lula em 2018. É o que ajuda a explicar a revoada de caciques do PMDB para o campo lulista.

✱ ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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