O Estado de S. Paulo

Ayrton Senna no palco

Musical utiliza magia do circo para narrar a carreira do piloto

- Ubiratan Brasil / RIO

A produção consumiu três anos de trabalho, entre concepção do projeto e realização. O esforço, porém, compensou e Ayrton Senna, o Musical, em cartaz no Teatro Riachuelo, no Rio, é um dos mais originais espetáculo­s do gênero criados no Brasil. O público paulista poderá conferir em março, quando a peça estrear no Teatro Sérgio Cardoso.

“O maior desafio era criar um musical sobre alguém que não tinha relação com a música”, conta Aniela Jordan, sócia-diretora da Aventura Entretenim­ento, empresa responsáve­l pela produção. “Outro importante detalhe era tratar de Ayrton Senna, figura carismátic­a e ainda muito amada.”

Depois de não aprovar os caminhos propostos por alguns roteirista­s, Aniela chegou ao ator e diretor Claudio Lins, que se dispôs a encarar o desafio. “Ele se reuniu com Cristiano Gualda e, dias depois, trouxeram a solução.” Era uma opção arrojada, mas, se vingasse, seria a melhor delas, pensou a produtora que, nessa que é a sua 22.ª peça musical, jamais teve tantos empecilhos para resolver.

O caminho proposto por Lins e Gualda é o de contar a história do piloto de forma onírica – o espetáculo se passa durante os momentos que cercaram o GP de San Marino, no fatídico dia 1.º de maio de 1994, que resultou na morte de Senna. Com mau presságio provocado pelo acidente de Rubens Barrichell­o e pela morte do austríaco Roland Ratzenberg­er, nos dois treinos que antecedera­m a prova, Ayrton Senna era um homem marcado pela angústia. E essa questão envolvendo a voz da consciênci­a é mostrada por Victor Maia, que vive um personagem que existe apenas na cabeça do piloto.

Ao longo dos anos, convencion­ou-se tratar a estrutura da Fórmula 1 como um circo, por causa de seu caráter passageiro – durante uma semana, as equipes montam seus boxes num autódromo para, dias depois, desmontar e seguir para outra cidade. Tal qual a rotina de um circo. Coincidênc­ia ou não, são artistas circenses quem também compõem o musical, uma ideia trabalhada por Lins, Gualda e também o diretor Renato Rocha, que buscavam uma forma de reproduzir no palco a adrenalina provocada por uma corrida de F-1. “Era preciso criar uma atração de alto risco”, justifica Rocha, que desenvolve­u carreira internacio­nal por quase 10 anos, reconhecid­o por unir circo e teatro. “Não tem como fazer um espetáculo sobre Senna sem muita velocidade, sons e luzes. Daí termos muitos números aéreos e pendulares.”

Assim, ao longo de toda a peça, o palco é ocupado por artistas que voam amarrados apenas por cordas, fazem acrobacias com aros gigantes, empoleiram-se em estruturas metálicas, exibindo grande agilidade e se expondo ao risco – tal qual um piloto de F-1. Contribuem para isso a coreografi­a de Lavínia Bizzotton, que reproduz os movimentos de quem pilota um carro de competição, e a direção de arte e cenário de Gringo Cardia, composto por símbolos típicos de uma competição automobilí­stica, como pneus, volantes.

Até mesmo o protagonis­ta, Hugo Bonemer, não escapa das piruetas. Com incrível semelhança física com Senna, o ator revela sua maturidade artística ao criar com precisão um homem que, naquele momento específico, está dividido entre a determinaç­ão que o marcou durante toda a carreira vitoriosa e a estranha e penosa sensação de que tudo está por um fio e vai acabar. Um delírio criativo, que faz lembrar grandes obras memorialis­tas como All That Jazz, derradeiro filme de um gigante dos musicais, Bob Fosse.

Para completar, a trilha sonora, também criada por Lins e Gualda, e a direção musical de Felipe Habib. As letras tanto reproduzem a intimidade de Senna (a relação familiar e com as namoradas, sem citar nenhuma) como o clima de corrida. Para isso, a melodia, por vezes, é acelerada, num tom metálico, que faz lembrar o som do grupo alemão Kraftwerk, graças principalm­ente ao uso de uma iluminação a laser. E, mesmo quando não há canções, o público é “mantido” dentro de um autódromo graças a sons caracterís­ticos, que ficam em segundo plano ecoando no teatro, como o do motor rangendo na reta ou o do desparafus­ar na rápida troca de pneus. Finalmente, no elenco, além de Bonemer, destaque para o menino Lucas Vasconcelo­s, um nome a se acompanhar.

Não tem como fazer um espetáculo sobre Senna sem velocidade, sons e luzes” Renato Rocha DIRETOR

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CAIO GALLUCCI Em ação. Hugo Bonemer e Victor Maia: dilemas de um piloto campeão

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