O Estado de S. Paulo

‘Estão sugando a energia dos jovens’, diz Gabriel Villela

Em ‘Hoje é Dia de Rock’, de Zé Vicente, família deixa suas mitologias para unir-se à rebeldia dos novos tempos

- Leandro Nunes / CURITIBA

No fim dos anos 1960, e coma América Latina imersa na repressão das ditaduras, surgiu na Colômbia, com o lançamento de 100 Anos de Solidão, um novo portal, como um observatór­io construído na e para a América Latina. A literatura de Gabriel García Márquez, além de sua reação ao regime, borrava a fronteira entre as culturas da tecnologia e da superstiçã­o. Nos 10 anos de morte do dramaturgo, José Vicente, ícone do movimento da contracult­ura no Brasil, Gabriel Villela estreia Hoje É Dia de Rock, nesta sexta, 17, a convite do Teatro Guaíra, espetáculo que não esconde a inspiração na obra do autor colombiano.

Ao olhar para as últimas montagens do diretor – Peer Gynt (2016), Rainhas de Ori noco (2016), A Tempestade (2015) e amais recente Boca de Ouro–,énapeç ade Vicente que Vil lela reserva mais de seu saudosismo.“A estreia carioca no Teatro Ipanema foi num período turbulento no Brasil e de emancipaçã­ono mundo ”, diz o diretor citando a ditadura brasileira, o Ma iode 1968, coma greve geral na França, e o movimento hippie antibélico. “A peça tratada dissolução da identidade­da família frente às transforma­ções, muitas vezes trágicas .”

A peça-biografia de Vicente narra a história dos cinco filhos de Pedro Fogueteiro, morador do interior de Minas. A experiênci­a do dramaturgo que sofreu ao ver um dos irmãos deixa raca saparas e tornar seminarist­a – mais tarde, Vicente tomaria o mesmo caminho – já aparecia em Santidade (1967), primeira peça do mineiro que estreou com direção de Fauzi Arap. A trama debatia a fé entre um ex-seminarist­a gay e desemprega­do, como o próprio Vicente, que vivia em São Paulo às custas do amante, e seu irmão, que está prestes a se tornar padre. Produzida por Tônia Carrero e dirigida por Arap, a peça foi censurada pelo marechal Costa e Silva, que declarou na televisão que o texto era exemplo de um espetáculo que jamais seria encenado no país.

A peça ficou maldita por 30 anos até ser recuperada pelo próprio Arap em 1997, no extinto Teatro Crowne Plaza, em São Paulo. “Ele lidava com isso diretament­e”, conta Villela. “Sua rebeldia enquanto artista não o barrou de escrever mais e mais peças. Em Hoje é Dia de Rock, há uma batalha contra o tempo real, do relógio, do calendário. Ele suspende tudo e usa da poesia e de uma atmosfera fantástica, claramente inspirado na Macondo de Márquez, para expor a vida dessa família em metamorfos­e.”

Villela está hospedado desde meados de setembro em Curitiba. Os ensaios já renderam tradiciona­is oficinas com o elenco paranaense de 13 atores, o ateliê de criação do diretor foi transferid­o para as dependênci­as do Guaíra e foco do barroquism­o típico está menos na cenografia e mais nos figurinos, já que a produção planeja circular com a peça pelo Estado e vir a São Paulo. “Há uma explosão mística nos personagen­s, e isso vindo dos jovens”, diz Villela, que traz canções do Clube de Esquina, Mercedes Sosa e Beatles.

Para ele, o Brasil de hoje está bem mais implacável de encarar, sobretudo para a juventude, o que pode barrar a energia particular dessa geração. “Os jovens precisam enxergar uma alternativ­a para a política e para essa onda moralista que tomou o Brasil. Estão bebendo o sangue e os hormônios deles, de canudinho.”

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VITOR DIAS ‘Trem Azul’. Elenco canta ‘Clube da Esquina’

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