O Estado de S. Paulo

O CHEFÃO DE 1,58 M QUE SUPEROU O DO CINEMA

Totó Riina, que inspirou filme de sucesso, morreu na prisão, orgulhoso por ter matado centenas e ter criado o maior grupo mafioso da Itália

- Marcelo Godoy

Era baixo – tinha 1,58 metro de altura – e gostava de um velho ditado no dialeto siciliano: ’U cummannari è megghiu ri futtiri. A frase dita na língua dos ‘uomini d’onore’, os homens honrados da Máfia, pode ser traduzida de forma educada como “comandar é melhor do que sexo”. Totò Riina, o boss mafioso que morreu ontem em um hospital penitenciá­rio de Parma, desafiou o Estado italiano, matou centenas de desafetos, fossem políticos, magistrado­s, militares ou mafiosos rivais. Tudo em nome do poder. De seu poder.

A estatura lhe valera o apelido ’U Curtu – o Baixo. Com ele, a Máfia deixou de se dividir em “famílias”, como a dos Inzerillo, para se tornar a organizaçã­o de Riina, formada pelo que Tommaso Buscetta, o mais famosos dos delatores da Máfia, chamou de “agrupament­os” – para desqualifi­cá-lo, Riina dizia que Buscetta “tinha mulheres demais”.

’U Curtu manteve-se fiel a sua história até o fim. Em 2013, no cárcere da Opera, em Milão, o chefão passeava com Alberto Lorusso, chefe da Sacra Corona Unita – a máfia da Puglia, no sul da Itália – quando disse: “Eu não me arrependo. Posso ficar preso 3 mil anos. Eu sou Salvatore Riina e entrarei para a história como Salvatore Riina.” Cumpria então 26 sentenças que o condenaram à prisão perpétua.

Contou então ao colega que uma vez “uma mulher portentosa chegou diante de mim quase nua e eu fingi que não entendi nada”. “Eu disse para ela: ‘Eu sou um macho desgraçado, por que você me chamou?” Riina, então com 83 anos, dizia querer uma nova onda de atentados no país, como os da estratégia militarist­a da Máfia dos anos 1980 e 1990. Ela havia levado o governo italiano a ocupar a Sicília com tropas do Exército em 1992, decisão tomada depois dos atentados que fizeram voar pelos ares os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borselino. Os dois foram responsáve­is pela até então mais bem sucedida investigaç­ão feita contra a Máfia. “Faço Di Matteo (o procurador da República Nino Di Matteo) acabar pior do que o Falcone”, disse Riina ao colega de cela.

O chefão falava de si como de um personagem. “Totò Riina era assim, sem compaixão, porque nasceu da lei da selva... Comecei do zero.” O camponês nascido em 1930, em Corleone, mantinha a velha desconfian­ça – chamava antigos companheir­os de “carabineir­os”, para acusá-los de conivência com a polícia. E se dizia desiludido com o exprimeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, de quem teria recebido dinheiro. “Pensava que ele (Berlusconi) fosse mandar fuzilar os magistrado­s.” E confessava ao colega de cela que, se fosse solto, mataria Berlusconi. “Temos esse direito.”

Riina permanecia, para a procurador­ia antimáfia, o mesmo homem que construíra o caminho em direção ao poder. Segundo o historiado­r Salvatore Lupo, só na 2.ª Guerra da Máfia (1981-1982), que consolidou seu poder e o de seus comparsas, morreram de 500 a 1mil pessoas. É difícil contar os mortos, pois muitos foram dissolvido­s em ácido ou concretado­s em fundações de prédios.

A guerra começou com os assassinat­os do capo Stefano Bontate e de Salvatore Inzerillo, ligado à família Gambino de Nova York. Riina e os seus acusavam os rivais de ganhar dinheiro sozinhos com o tráfico de drogas. A matança atravessou o Atlântico, Pietro Inzerillo, irmão de Salvatore, foi encontrado com um saco de dólares dentro da boca. A mensagem era clara: “Você quis papar muito dinheiro”. A matança só acabou quando os Inzerillos se refugiaram nos Estados Unidos, com a promessa de nunca mais pisarem na Sicília.

Entre suas vítimas famosas, o presidente das região da Sicília, o democrata-cristão Piersanti Matarella, o deputado comunista Pio la Torre, o general dos carabineir­os Alberto Dalla Chiesa, os parentes de Buscetta, de Inzerillo e de Bontate. Mesmo preso, em 1993, mandou executar atentados terrorista­s, como o do carro-bomba na Galeria degli Uffizi, em Florença, que deixou 5 mortos.

Quanto mais poder demonstrav­a ter, mais frágil se tornava sua posição e a dos sicilianos. A legislação antimáfia e o regime de cárcere duro, inaugurado logo após a morte do juiz Borselino, começaram a romper a lei do silêncio e a proteção do mundo político da qual desfrutava a organizaçã­o. Os arrependid­os – delatores – se multiplica­ram. Até Giovanni Brusca, filho de um de seus maiores amigos, o delataria. Por fim, a Máfia perderia espaço na criminalid­ade: acabaria ultrapassa­da pela ’Ndrangheta, da vizinha Calábria, hoje a mais potente organizaçã­o criminosa do mundo.

Eu não me arrependo. Posso ficar preso 3 mil anos. Eu sou Salvatore Riina e entrarei para a história como Salvatore Riina” Salvatore ‘Totó’Riina

CHEFÃO DA MÁFIA

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ALESSANDRO FUCARINI/AFP-8/3/1993

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