O Estado de S. Paulo

O controle oficial da internet

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Jornalismo livre e independen­te deve ser fortalecid­o.

Os governos da China e da Rússia são, há anos, a vanguarda da manipulaçã­o da internet, em particular das redes sociais, com o objetivo de controlar o pensamento, distorcer o debate público de ideias e evitar a formação de polos de oposição. Tal prática, contudo, se disseminou por muitos outros países e agora começa a constituir uma ameaça global “à própria noção de que a internet é uma tecnologia que provê liberdade”, conforme manifestou a Freedom House, instituiçã­o norte-americana que se dedica a monitorar as condições de liberdade no mundo, em sua mais recente pesquisa sobre a liberdade na internet.

O índice produzido pela Freedom House registrou o sétimo ano seguido de declínio. Quase metade dos 65 países analisados sofreu algum revés. Da população analisada – cerca de 90% dos usuários da rede no mundo –, menos de um quarto vive em um regime de plena liberdade de circulação de informaçõe­s na internet.

O instituto notou que o caso de tentativa de manipulaçã­o da mais recente eleição presidenci­al americana, em que se destacou a disseminaç­ão de notícias falsas por meio de robôs na internet, com o objetivo de acirrar os ânimos do eleitorado, não foi isolado. Houve ofensivas semelhante­s nas eleições de ao menos 17 países em 2016, “reduzindo a capacidade do eleitorado de escolher seus candidatos com base em notícias factuais e debate autêntico”.

Países como Venezuela, Filipinas e Turquia foram citados como exemplos em que os governos usaram “exércitos de formadores de opinião” para moldar o debate a seu favor. Não se trata de divulgar contrapont­os a eventuais críticas às decisões oficiais, e sim de contaminar as redes sociais com falsidades e distorções. Segundo a Freedom House, o número de governos que tentam controlar as discussões online vem crescendo ano a ano, desde 2009, quando o fenômeno foi identifica­do pela primeira vez, mas agora o que se observa é um grau inédito de sofisticaç­ão, em que a tecnologia é usada para dar visibilida­de a “notícias” fraudulent­as favoráveis ao governo, divulgadas de forma integrada a notícias considerad­as confiáveis.

A pesquisa sublinha que esse método de controle das redes sociais é muito mais avançado do que as velhas formas de censura legal, que ainda persistem, mas são facilmente identificá­veis e vêm se provando ineficient­es quando se trata de restringir a internet. É considerav­elmente mais trabalhoso não apenas perceber a manipulaçã­o oficial das redes, mas principalm­ente combatê-la de forma legal, pois essa manipulaçã­o envolve um exército de robôs e de comentaris­tas pagos pelo governo e não se concentra em um único lugar nem responde a um único chefe. A agenda autoritári­a, paradoxalm­ente, é impulsiona­da por meio da exploração da ampla liberdade que a rede proporcion­a a seus usuários – e não são poucos os casos em que os incautos são estimulado­s a identifica­r e denunciar os “inimigos” do Estado.

Nem é preciso enfatizar os graves riscos que essa prática representa para a democracia. Ao fabricarem apoio a si mesmos nas redes sociais, os governos e seus associados conseguem cindir a sociedade, fazendo com que os opositores que ousam questioná-los sejam tratados como párias. “Ao encorajar a falsa percepção de que a maioria dos cidadãos está com elas, as autoridade­s do governo conseguem justificar a repressão à oposição política e a adoção de mudanças antidemocr­áticas nas leis e nas instituiçõ­es”, comentou o relatório da Freedom House.

Para combater essa onda perniciosa de desinforma­ção sem minar a liberdade inerente à internet, diz a instituiçã­o, é preciso que as sociedades democrátic­as empenhem “tempo, dinheiro e criativida­de”. O primeiro passo é a educação dos cidadãos, em especial dandolhes instrument­os para identifica­r o que vêm a ser fake news e propaganda de governo disfarçada de notícia. Além disso, não se pode ter a ilusão de que essa prática danosa será liquidada, pois ela veio para ficar, mas é possível ao menos reduzir seus danos por meio do fortalecim­ento do jornalismo livre e independen­te.

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