O Estado de S. Paulo

Relatórios de viagens são genéricos e sem padrão

Deputados reproduzem agenda de missões oficiais e até copiam prestação de contas de colegas; 167 documentos estão pendentes na Câmara

- Adriana Ferraz / COLABORARA­M VÍTOR MARQUES, MARIANNA HOLANDA, CECÍLIA DO LAGO, RENATO VIEIRA, ANA BEATRIZ ASSAM e JÚLIA BELAS, ESPECIAIS PARA O ESTADO

A ausência de um modelo-padrão para determinar o que deve compor a prestação de contas de uma viagem oficial parlamenta­r impede um acompanham­ento transparen­te dos resultados das missões feitas pelos deputados tanto no exterior como dentro do País. Carentes de detalhes, há relatórios que, quando entregues, acabam funcionand­o como um resumo da programaçã­o a ser cumprida – apenas neste ano 167 estão pendentes, sendo que a maioria se refere a roteiros nacionais.

Foi o que fez, por exemplo, o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM). No sexto dos nove dias de viagem à Suécia, Espanha e França (realizada de 11 a 20 de junho deste ano), Avelino teve um jantar às 20h30 em que deveria ir com “blazer e sem gravata”, segundo o relatório produzido por ele e publicado no site da Câmara. O documento não diz quem mais compareceu ao evento nem o endereço do restaurant­e em Sevilha, mas informa que no mesmo dia ele fez visita turística à cidade e dois dias depois, em Paris, cumpriu “despachos internos”.

“O relatório foi feito de acordo com a que a Câmara pediu. Se pedir mais detalhes, obviamente ninguém se furtará em responder”, disse Avelino. O documento, segundo ele, ainda revela sua pouca experiênci­a em missões oficiais – foi a primeira vez em que viajou ao exterior a convite.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGVSP, somente viagens com finalidade clara deveriam ser autorizada­s. “Quando se trata de dinheiro público, a prestação de contas precisa ser completa. As viagens realizadas trouxeram resultados para a atividade parlamenta­r?”, questionou.

Segundo levantamen­to feito pelo Estado, há prestações de contas pendentes desde 2015 – caso, por exemplo, de uma viagem feita pelo atual vice-líder do governo Michel Temer na Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP), a Las Vegas, para participar de uma feira de tecnologia. Ele disse não se lembrar da viagem. “Devo ter ido, não sei.”

Sobre a ausência de relatório, Mansur afirmou que esse trabalho é de sua assessoria, que, por sua vez, apresentou à reportagem o comprovant­e de que entregou o documento e informou não entender por que o documento não está publicado no site. A Câmara não se manifestou.

No mesmo ano, em 2015, houve ao menos um caso em que dois deputados dividiram a mesma prestação de contas de um roteiro a Israel. Caio Narcio (PSDB-MG) fez o documento também para o colega Roberto Sales (PRB-RJ). “A missão foi conjunta, participam­os dos mesmos eventos, por isso a prestação de contas é uma só. O Sales ajudou na elaboração do relatório, que tem muitos detalhes do que vimos lá”, disse Narcio.

O prazo para a entrega do texto é de 15 dias após o fim da viagem. Procurada, a Câmara não explicou o porquê dos atrasos.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–16/11/2017 Congresso. Câmara não explica falta de fiscalizaç­ão

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