O Estado de S. Paulo

Ascensão da ultradirei­ta polonesa aflige a UE

Partido Justiça e Liberdade ganha apoio com discurso extremista e projetos sociais

- Luiz Raatz

Na semana passada, 60 mil pessoas tomaram as ruas de Varsóvia em uma marcha convocada por grupos nacionalis­tas e de extrema direita para marcar o 99.º aniversári­o de independên­cia da Polônia. Os gritos de “Polônia Branca”, “Sangue Puro” e “Queremos Deus” preocupara­m o Parlamento­u Europeu, que aprovou na quarta-feira, dia 15, a criação de uma comissão para avaliar possível ruptura do Estado de Direito no país.

Desde 2015, a Polônia é governada pelo Partido Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês), de Jaroslaw Kaczynski. A legenda assumiu no auge da crise dos refugiados na União Europeia e, uma vez no poder, rejeitou as cotas defendidas pela Alemanha para abrigar imigrantes do Oriente Médio e do Norte da África.

Fortalecid­o pelo apelo popular da retórica anti-imigração frente à população polonesa, uma das mais homogêneas da UE, com a grande maioria composta por brancos e católicos, o PiS implemento­u uma série de reformas que causaram preocupaçã­o em Bruxelas, como a nomeação de partidário­s da legenda à Suprema Corte e a vinculação das nomeações ao Parlamento, a transforma­ção da TV pública em órgão de propaganda do governo e a demissão de membros das Forças Armadas críticos ao partido.

“A inspiração do PiS é o populismo de direita e os métodos implementa­dos no governo lembram muito a Hungria, de Viktor Orban, e a Turquia, de Recep Erdogan”, disse ao Estado Konstanty Gebert, analista do European Council on Foreign Affairs. “O discurso é populista e autoritári­o e ataca as elites e o Estado, falando em nome do ‘homem comum contra as elites corruptas.’”

A agenda anti-imigração e nacionalis­ta do PiS foi bem recebida pelos poloneses mais jovens. No total, 71% da população defende que imigrantes muçulmanos tenham a entrada proibida no país, segundo uma pesquisa divulgada no começo do ano pela Chantham House. Um outro levantamen­to, do Pew Research, feito em 2016, mostra que a Polônia está entre os cinco países europeus nos quais a população é majoritari­amente contra o acolhiment­o de refugiados.

Outro fator que explica o sucesso do PiS, no entanto, é o aumento dos gastos com programas sociais, possibilit­ado pelo bom momento da economia polonesa. No ano passado, o governo aprovou um projeto que prevê um pagamento do equivalent­e a US$ 140 para famílias com ao menos um filho e de 280 US$ para quem tem até três – uma espécie de Bolsa Família local.

Num país onde o salário médio mensal equivale a US$ 500, programas de renda são um significat­ivo aumento no poder de consumo das famílias.

“O sucesso econômico da UE foi muito bom para o país. A Polônia foi um dos poucos países no qual não houve recessão após a crise de 2009”, acrescento­u Gerbert. “Mas isso aumentou demais as expectativ­as com o governo anterior. E o PiS conseguiu usar isso a seu favor.”

Diante desse cenário, a popularida­de do PiS tem subido. Se as eleições fossem hoje, a legenda teria entre 41% e 46% dos votos, o que lhe permitiria uma maioria folgada no Parlamento.

A Plataforma Cívica, de centro, teria 16%.

Ao longo da semana, o partido tentou se distanciar das acusações de extremismo e antissemit­ismo – a Polônia foi um dos países que mais sofreu com o Holocausto. Kaczysnki reconheceu que houve “incidentes lamentávei­s” no protesto de sábado. O presidente polonês, Andrzej Duda, que não pertence ao PiS, considerou inadmissív­el a vinculação ao nazismo feita por deputados no Parlamento Europeu e garantiu não haver espaço para a xenofobia na Polônia.

Apesar disso, o PiS continua sendo alvo de críticas por uma posição supostamen­te permissiva com a ação de grupos de extrema direita. Das 45 pessoas presas após a manifestaç­ão, segundo o Washington Post, nenhuma era da Juventude Polonesa – facção nacionalis­ta ligada ao PiS. Todos eram militantes antifascis­tas.

“Os slogans cantados nessa marcha eram racistas e antidemocr­áticos e o PiS está envergonha­do pela marcha de sábado. Os manifestan­tes considerav­am isso apropriado”, explica Gerbert. “Uma grande parte da opinião pública polonesa não vê problema em gritar que a Europa deve ser branca.”

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KACPER PEMPEL/REUTERS-11/10/2016 Extremista­s. Manifestan­tes que apoiam a ultradirei­ta na Polônia se manifestam em Varsóvia, no dia da independên­cia

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