O Estado de S. Paulo

NO TOCANTINS, UM NOVO JEITO DE PLANTAR ARROZ

Com técnica inovadora, área cultivada passou de 650 mil hectares para 1,2 milhão

- Cristiane Barbieri / TEXTOS Rafael Arbex / FOTOS ENVIADOS ESPECIAIS / LAGOA DA CONFUSÃO (TO)

No último período de seca, a região de Lagoa da Confusão, município a cerca de 200 quilômetro­s de Palmas, fez jus a seu nome. Depois de três anos de forte estiagem, o estresse hídrico virou estresse social e moradores e produtores agrícolas se desentende­ram (ler mais abaixo). Numa área de várzea e muito quente, arroz e sementes de soja, que começaram a ser cultivados em larga escala na última década, demandam o uso intensivo de água, retirada de rios de médio porte. O Ministério Público e a sociedade civil questionar­am produtores judicialme­nte. Apesar de o problema não ter sido totalmente resolvido, os agricultor­es passaram a contar com uma técnica inovadora: um arroz irrigado que produz mais, com menos água.

Uma das mais jovens fronteiras agrícolas do País, Tocantins viu sua área cultivada passar de 650 mil para 1,2 milhão de hectares, desde o início da década, segundo a Secretaria do Desenvolvi­mento da Agricultur­a e Pecuária (Seagro-TO). Nesse processo de expansão, ao se depararem com a gigantesca região alagadiça

próxima à Ilha do Bananal, gaúchos que migraram para as cidades próximas passaram a usar a mesma técnica que praticavam no Rio Grande do Sul para o cultivo do arroz, sob lâminas d’água. “Só que são tipos diferentes de várzea”, diz André Borja Reis, pesquisado­r da Esalq/USP e autor do estudo. “No Tocantins, a terra é mais porosa e é preciso muito mais água para manter a lâmina, num terreno que tem alta condutivid­ade hidráulica.”

Ao contrário do Sul, a área a ser alagada não é totalmente plana. As irregulari­dades dos campos permitiram aos especialis­tas perceber que, nos lugares onde o arroz não crescia parcialmen­te submerso, ele vinha mais forte. As hastes não ficavam tão finas nem se deitavam com ventanias, dificultan­do a colheita. Foi então que Reis, que se mudara para Tocantins em 2008 e diz ter se sentido incomodado com o uso da

água, tentou criar alternativ­as mais sustentáve­is para seu manejo. Há quatro anos, começou os testes que provaram que o arroz sem a inundação produz 15% mais, consumindo metade dos recursos hídricos.

Mais sacas. Todas as 500 mil sacas de arroz esperadas para essa safra na Fazenda Dois Rios, propriedad­e de 30 mil hectares a cerca de 30 quilômetro­s da cidade, serão produzidas com a nova técnica. Josnei Spinardi Rosa, gerente operaciona­l da Dois Rios, explica a diferença entre os métodos. Ele mostra canais cavados ao lado das parcelas, nome dado a campos retangular­es de 200 metros por 1.000 metros onde ocorre o cultivo. “Antes, enchíamos os canais até transborda­r, para criar a lâmina d’água”, afirma Rosa. “Hoje, não há esse transbordo: colocamos água apenas no canal e, por capilarida­de, todo o terreno é umidificad­o, em quantidade de água ideal para o arroz.” Segundo ele, a produção saiu de 120 sacos de 60 quilos por hectare para 140 sacos, no novo método. Detalhe: não se trata de arroz de sequeiro, o mais comum do Tocantins, cuja produção média é de 70 sacos por hectare.

Apesar da maior sustentabi­lidade econômica e ambiental, metade dos produtores da região ainda não adotou a nova técnica. “Há agricultor­es muito apegados aos métodos tradiciona­is de produção”, afirma Solano Colodel, da Ímpar Consultori­a no Agronegóci­o, na qual Reis trabalhava quando realizou a pesquisa. Segundo Rosa, eles olham os campos cultivados da Dois Rios e não acreditam que o arroz vá vingar. “Esse cresciment­o nas regiões de fronteira agrícola passa tanto pelo desenvolvi­mento de novas pesquisas, técnicas e produtos quanto pela educação e a difusão do conhecimen­to.”

Uma das regiões mais quentes do cerrado brasileiro pela baixa altitude, Tocantins tem sofrido particular­mente com as mudanças climáticas recentes. Acostumado­s a duas estações muito marcantes, os produtores têm tudo pronto para o plantio no início de outubro, quando começa a época de chuvas, que se estende até maio. Neste ano, porém, as primeiras águas só chegaram em 10 de novembro. No dia 2, feriado, as máquinas já estavam no campo, dando início ao plantio. A cada chuva, espera-se um pouco a estiagem e logo tratores e semeadoras voltam ao trabalho, para aproveitar ao máximo o recurso precioso. “Chover mais tarde não quer dizer que vá chover menos”, diz Rosa. “Se cair os 1.800 milímetros anuais, estaremos bem.”

O problema é que esse volume foi 200 milímetros menor nos últimos anos e ninguém tem resposta se as quantidade­s recentes se tornarão o novo normal. Colodel trabalha com três fornecedor­es de dados meteorológ­icos e nenhum deles têm previsões semelhante­s à do outro. “Estamos na área em que há maior imprevisib­ilidade em relação ao comportame­nto climático”, afirma Balbino Antonio Evangelist­a, analista da Embrapa-TO especializ­ado em agroclimat­ologia. “Porém, temos uma certeza: está cientifica­mente comprovado que as temperatur­as estão aumentando, além de termos muitos relatos de agricultor­es de que as janelas de chuva para o plantio e a colheita estão atrasando ou diminuindo com muita frequência.”

Segundo ele, as soluções para o problema da região passam pelo desenvolvi­mento de sementes com material genético mais resistente à seca e ao manejo bem feito das culturas. “Há estudos comprovand­o que a agricultur­a sustentáve­l, feita com a integração lavoura-pecuária-floresta (quando se intercalam as safras agrícolas com a pecuária e/ou a produção de árvores), resgata e acumula o carbono no solo, evita sua perda para a atmosfera, o que pode significar uma recuperaçã­o do meio ambiente degradado.”

Apesar de o método desenvolvi­do por Reis significar para os produtores economia de 50% na água utilizada, ele funciona apenas para a época das chuvas, quando a retirada da água dos rios é menor, como ele mesmo alerta. Na seca, as fazendas da região produzem sementes de soja e outras culturas irrigadas. “A ideia é aumentar a produtivid­ade e a receita com o arroz, para que os produtores não precisem retirar tanta água e não esvaziem os rios na seca”, afirma Reis.

 ??  ?? Lavoura eficiente. Com mudança na irrigação, produção de arroz na Fazenda Dois Rios passou de 120 sacos de 60 kg por hectare para 140
Lavoura eficiente. Com mudança na irrigação, produção de arroz na Fazenda Dois Rios passou de 120 sacos de 60 kg por hectare para 140
 ??  ?? Técnica. Captação de água do rio para o sistema de irrigação
Técnica. Captação de água do rio para o sistema de irrigação
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil