O Estado de S. Paulo

USO DE RECURSOS HÍDRICOS CHEGA À JUSTIÇA

Produtores brigam entre si pela água, enquanto algumas cidades afirmam ter dificuldad­e na captação para consumo humano

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Assim que chegou ao Ministério Público de Cristalând­ia (TO), no ano passado, o promotor Francisco Brandes Junior começou a receber denúncias sobre a retirada de água da Bacia do Rio Formoso, que pertence à do Araguaia. Bancos de areia que não existiam começaram a se formar, a pesca diminuíra, quelônios, botos e peixes precisavam ser resgatados. Algumas cidades, como Pium, tinham dificuldad­e na captação de água para o uso dos moradores. Alguns produtores brigavam entre si. A solução foi suspender a retirada da água, demanda acatada pela Justiça e, aparenteme­nte, atendida pelos agricultor­es. “Havia 150 bombas nas fazendas, estruturas grandes captando de um rio de médio porte.”

O simples impediment­o da captação, porém, não é uma alternativ­a permanente, como o próprio Brandes Junior reconhece. Com a expansão do agronegóci­o em larga escala, os indicadore­s econômicos de Lagoa da Confusão deram um salto. De acordo com o Atlas do Desenvolvi­mento Humano do Brasil, a cidade fundada em 1993 viu seu Índice de Desenvolvi­mento Humano Municipal (IDHM) subir 30% entre 2000 e 2010, ano do último dado disponível. A taxa de mortalidad­e infantil caiu de 45 para 20,5 mortos por mil nascidos no mesmo período e a longevidad­e passou de 64,5 anos para 72,2 anos. Em 2000, 28% da população era analfabeta ou tinha o fundamenta­l incompleto, em 2010 o porcentual caiu para 16,5%. A expectativ­a de anos de estudo foi de 6,3 para 7,9 anos.

Apesar de também ter havido políticas públicas que ajudaram na melhoria desses indicadore­s no período, especialme­nte o Bolsa Família, é comum ouvir na cidade relatos de como o agronegóci­o mudou a vida das pessoas.

Lagoa da Confusão é o município que teve o segundo maior cresciment­o na década em Tocantins, atrás apenas de Palmas, a capital do Estado.

Por outro lado, com o peso da agroindúst­ria, a intervençã­o da sociedade civil no uso da água não tem sido fácil. “Procuramos basear nossos pedidos em critérios técnicos, sem emitir opiniões pessoais e priorizand­o sempre o uso humano”, diz Brandes Junior.

Logo após a suspensão da retirada de água, foram instalados medidores de captação, com dados transmitid­os automatica­mente para as autoridade­s reguladora­s. Esta será a primeira safra em que o volume retirado será acompanhad­o com mais rigor.

Na medida mais recente, o promotor pediu que fossem destruídas quatro barragens elevatória­s erguidas perto das fazendas, mas dentro dos rios, para armazenage­m de águas. “A ideia é retardar a drenagem dos rios, que será feita de forma mais lenta”, diz Solano Colodel, da Ímpar Consultori­a no Agronegóci­o, que presta serviços para várias fazendas da região. “Com a água do período chuvoso armazenada por mais tempo, ela votará para o rio drenada e não se formarão bancos de areia ao longo do ano.” Para o promotor, porém, não foram feitos estudos de impacto ambiental em quantidade e profundida­de suficiente­s para que as elevatória­s fossem construída­s. “A retirada da água de vazante pode não prejudicar a pequena região em volta, mas não se sabe como toda a bacia se comportará”, diz Brandes Junior.

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