O Estado de S. Paulo

O limite do mercado, depois de Da Vinci

Quadro ‘Salvator Mundi’ alcançou US$ 450,3 milhões, marca recorde

- / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO Robin Pogrebin

Depois da batida final do martelo na inacreditá­vel venda do quadro Salvator Mundi, de Leonardo da Vinci, na noite de quarta-feira, 15, (US$ 450,3 milhões por uma pintura de qualidade discutível) foi difícil para o leiloeiro e os prováveis concorrent­es voltar a atenção para os outros lotes. “O ar parecia ter sido sugado da sala depois daquilo”, disse Paul Gray, sócio da Richard Gray Gallery. “Foi difícil continuar.”

E, mesmo no dia seguinte, o mundo da arte continuou numa luta de corpo a corpo com o que parecia como uma nova paisagem, com as tradições de leilão elevadas e um teto subitament­e sem limites. Essa venda iria forçar a alta de todo o mercado? O preço era único ou um sinal de mais coisas à frente? E será que as casas de leilões agora imitariam a estratégia de Christie’s, menos concentrad­a na experiênci­a e na autenticaç­ão e mais na marca e no marketing?

Além de tentar descobrir quem comprou o quadro, o mundo da arte também estava dissecando a própria guerra de lances. As ofertas, que começaram com seis compradore­s ricochetan­do em um grande ritmo durante quase 20 minutos, tiveram saltos de altas surpreende­ntes. Em vez de subir o preço em montantes modestos de milhões de dólares, a última oferta foi um lance épico: de US$ 370 milhões para US$ 400 milhões, estratégia agressiva que conquistou para o comprador a pintura e deixou incrédulos os espectador­es.

“Não há nada que se compare a isso”, disse o negociador de longa data Robert Mnuchin, “e não há nada que se compare para avançar”. Em entrevista­s na quinta-feira, 16, colecionad­ores, marchands e especialis­tas em leilões pareciam concordar que a venda do Leonardo foi provavelme­nte sui generis – a obra de arte alcançara um preço sem precedente­s porque era uma peça sem precedente­s.

Itens como Salvator Mundi – um óleo sobre painel com Cristo segurando uma esfera de cristal – não aparecem com frequência. “As pessoas continuam me perguntand­o: ‘Quando vamos ver a pintura bilionária?’”, disse Brett Gorvy, negociante de arte e ex-presidente mundial da Christie’s para obras do pós-guerra e arte contemporâ­nea. “Não se trata da qualidade da pintura. Trata-se da última obra de um artista que estava em mãos privadas e que é uma lenda, uma peça de nossa civilizaçã­o. Que outro artista pode haver? Que outras pinturas?”

Mas, acrescenta­m os especialis­tas, a venda da Christie’s também é um comprovant­e da força incessante do mercado de arte e reafirmou a que ponto esta tornou-se uma classe de ativos.

“Certamente, isso acaba com o limite pelo qual pode ser vendido um quadro”, disse o veterano marchand Bill Acquavella. “Você pode investir em uma série de coisas, sejam ações ou imóveis, mas agora também pode investir em arte.”

Ele acrescento­u que os financista­s que compram obras de arte hoje em dia “administra­m suas coleções de arte como gerenciari­am suas carteiras de ações”. Muitos concordara­m que a Christie’s manipulou habilmente o colossal Leonardo, com vídeos apresentad­os em campanha de marketing para a turnê mundial da casa de leilões – gerando filas de espectador­es que queriam apenas ter um vislumbre da obra. “Eles fizeram um trabalho magnífico”, disse Gray.

Deveria um Leonardo da Vinci ser a pintura mais cara do mundo? “Sim, deveria”, disse Alex Rotter, copresiden­te para obras pós-guerra e arte contemporâ­nea das Américas para a Christie’s, que represento­u o comprador vencedor pelo telefone. “Não entendi tal soma”, disse Philippe de Montebello, ex-diretor do Metropolit­an Museum of Art. “Está além da minha compreensã­o.”

Não se trata da qualidade da pintura, mas da última obra de um artista que estava em mãos privadas” Brett Gorvy, DA CHRISTIE’S

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DREW ANGERER/GETTY IMAGES Atração. O quadro de Da Vinci levanta a questão: quando virá o quadro bilionário?

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