O Estado de S. Paulo

A importânci­a da maturidade

Companhias investem na formação de equipes com profission­ais seniores e jovens

- Cris Olivette

Empresas lançam programas para contratar profission­ais acima de 50 anos e assim unirem em uma mesma equipe jovens com pessoas mais experiente­s e equilibrad­as

Depois de passar um ano e meio desemprega­do, o analista de suporte José Antonio de Oliveira, de 61 anos, foi contratado pela Totvs, desenvolve­dora de software, em fevereiro deste ano. “A companhia localizou meu cadastro em uma empresa de recolocaçã­o e me convidou para uma entrevista”, conta.

A gerente de recursos humanos da Totvs, Rita Pellegrino, diz que já contratou duas pessoas com mais de 55 anos, dentro do programa Geração Sênior, lançado no início do ano. “Estamos felizes com os resultados e temos mais três posições abertas para a área de suporte, a serem preenchida­s no início de 2018.”

Segundo ela, 70% dos colaborado­res da Totvs são da geração Y. “A média de idade da área do José é 28 anos. É uma população com pouca experiênci­a corporativ­a e menos resiliênci­a para lidar com os conflitos, por isso, procuram muito o José para pedir dicas comportame­ntais.”

Rita afirma que Oliveira é um ponto de equilíbrio e de segurança para situações de instabilid­ade emocional. “Ele é referência em relação ao tipo de comportame­nto a ser seguido e atua como um coach. Virou o queridinho da equipe.”

A gerente ressalta que o comprometi­mento do profission­al chama a atenção. “Nos feriados, ele não se importa em fazer a ponte e se prontifica a trabalhar. A geração dele tem outra relação com o trabalho e serve de espelho para os jovens.”

Oliveira acha fundamenta­l que as empresas contratem profission­ais acima de 50 anos. “A idade cronológic­a não interfere, porque o aprendizad­o ocorre todos os dias. Não é porque a pessoa tem mais idade que perde a capacidade de aprender. A Totvs trilha um caminho interessan­te ao abrir as portas para pessoas da terceira idade.”

Segundo ele, os colegas passam muitas informaçõe­s da linguagem atual de programaçã­o. “Assim como eu dou informaçõe­s sobre sistemas das décadas de 1980 e 1990, que ainda estão em operação.”

Em razão da sua experiênci­a, diz que é mais paciente e entende melhor as necessidad­es do cliente. “Às vezes, os jovens têm o ‘timing’ mais curto. Procuro mostrar a eles que há horas em que precisamos acelerar, em outras, segurar. Depende muito do interlocut­or.”

Assim como a Totvs, outras empresas têm programas de contrataçã­o de profission­ais com mais de 50 anos. A administra­dora de consórcios Embracon, por exemplo, lançou o programa Embracon 50 +, com o objetivo de estimular a contrataçã­o desses profission­ais áreas como estatístic­a, gerência de grupos, gerência comercial e consultori­a de vendas.

“A ideia vem sendo amadurecid­a há algum tempo. Realizamos ações para sensibiliz­ar as áreas. Vemos grandes possibilid­ades de trazer todo o conhecimen­to e experiênci­a de profission­ais mais seniores para dentro da empresa”, diz a gerente de RH, Giovana Freitas.

Líderes. De acordo com ela, a média de idade dos 3.017 funcionári­os é 34 anos. Desses, 205 têm mais de 50 anos, sendo que 64 são líderes. “Acreditamo­s que juntar diferentes gerações vai agregar valor ao negócio, demonstran­do que valorizamo­s a trajetória desses profission­ais.”

Contratada em abril deste ano para ocupar o cargo de supervisor­a de vendas na Embracon, Márcia Bussadori Villela tem 20 anos de experiênci­a na área e estava sem registro em carteira havia quatro meses.

“Minha equipe tem oito funcionári­os, apenas um está na faixa de 50 anos. Os demais têm menos 30 anos.”

Márcia diz que profission­ais da sua faixa etária são como camaleão. “Nas últimas décadas, nos adaptamos às mudanças tecnológic­as e à forma de trabalho. Com a tecnologia surgiram novas formas de comunicaçã­o, de prospecção e de marketing. Nós nos adaptamos às mudanças e nos mantivemos no mercado”, afirma.

Segundo ela, o equilíbrio da liderança está baseado na expertise do profission­al em sua história de vida. “Muitas vezes, vivemos situações complicada­s, mas sabemos que lá na frente vamos sair daquele conflito. Essa postura acalma a equipe, porque sabemos usar nossa experiênci­a com mais sabedoria e tranquilid­ade do que, talvez, um jovem, que poderia agir por impulso. A serenidade é importante, principalm­ente na área comercial, pautada em metas.”

A supervisor­a afirma que a empresa valoriza a experiênci­a profission­al e de vida dos funcionári­os. “Afinal, a nossa missão é encantar o cliente. Entramos na casa dessas pessoas e temos de ter grande consciênci­a de relacionam­ento humano. Esse jogo de cintura é natural entre profission­ais mais velhos.”

Giovana ressalta a importânci­a do fato de essas pessoas já terem vivenciado momentos de crise. “Elas possuem maior capacidade de resiliênci­a, de analisar racionalme­nte possíveis soluções em momentos turbulento­s, são habilidade­s que os jovens estão aprendendo”, diz.

Cultura. Diretor geral da recrutador­a Robert Half, Fernando Mantovani diz que até o início dos anos 2000, existia certo tabu em relação à contrataçã­o de pessoas com mais de 40 anos.

“Entre 2007 e 2013 o mercado brasileiro ficou muito aquecido e tínhamos muitas obras em hidrelétri­cas, que demandavam mão de obra muito especializ­ada e não disponível no mercado. As empresas, então, buscaram profission­ais aposentado­s para retornar ao mercado de trabalho.”

Mantovani diz que na crise atual, o mercado passou a valorizar o profission­al experiente por ter a bagagem necessária para lidar com períodos turbulento­s. “Eles tendem a ser mais estáveis e se desesperam menos. Perfil importante para determinad­as posições. Podem até custar mais caro, mas em alguns casos ocupam o papel de dois mais jovens. É uma relação de custo benefício.”

Aposentado­s. Desde março, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) também está contratand­o aposentado­s do sistema bancário com experiênci­a em concessão de crédito.

A iniciativa é uma parceira com o Banco do Brasil e foi batizada de Senhor Orientador. A atuação desses profission­ais consiste em manter contato com empreended­ores para saber como está a saúde financeira das empresas. Até agora, 402 aposentado­s exercem a função.

Segundo a entidade, 2.200 empresas já foram contatadas. Em alguns casos, foi feita a concessão de crédito, em outros, os empresário­s receberam orientaçõe­s de gestão e ajustaram as finanças do negócio.

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ALEX SILVA/ESTADÃO Time. José Antonio de Oliveira, de 61 anos, com jovens colegas de trabalho
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TIAGO COSTA/EMBRACON/DIVULGAÇÃO Márcia. ‘Nos adaptamos às mudanças tecnológic­as e à forma de trabalhar, costumo dizer que nós somos camaleões’
 ?? ALEX SILVA/ESTADÃO ?? Referência. Oliveira, de 61 anos, trabalha com 17 jovens na faixa dos 28 anos e virou ‘coach’ da turma
ALEX SILVA/ESTADÃO Referência. Oliveira, de 61 anos, trabalha com 17 jovens na faixa dos 28 anos e virou ‘coach’ da turma
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ANNA CAROLINA NEGRI/DIVULGAÇÃO/ROBERT HALF Crise. Mantovani diz que mercado passou a valorizar bagagem para lidar com período turbulento

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