O Estado de S. Paulo

‘A ÉTICA DO SÉCULO 21 É BIOÉTICA’

- ✽ É JORNALISTA E FILÓSOFO, COAUTOR DE 'O QUE É A INTELIGÊNC­IA', SOBRE A OBRA DE XAVIER ZUBIRI Felipe Cherubin ✽

Em 1962, James Watson, Francis Crick e os estudos independen­tes de Maurice Wilkins, baseado no trabalho de Rosalind Franklin, culminaram na descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, o que rendeu aos três pesquisado­res o prêmio Nobel de Medicina.

A partir daí, os avanços cresceram vertiginos­amente. O ‘Projeto Genoma’, iniciado em 1990, conseguiu sequenciar o código genético humano em 2003. O termo genoma correspond­e ao conjunto de genes que constituem o DNA, espécie de ‘código da vida’ que armazena, no interior das células, todas as informaçõe­s herdadas que orientam o desenvolvi­mento dos organismos.

Atualmente, todos nós podemos, a qualquer momento, mapear nosso próprio código genético e até compará-lo com de outras pessoas. Portanto, o que parecia inimagináv­el, tornou-se realidade, caso da empresa de biotecnolo­gia e genômica 23andMe, que em 2007 recebeu investimen­tos da Google e hoje é uma das maiores do segmento, oferecendo a preços acessíveis (U$99) o mapeamento genético de seus clientes, gerando laudos que incluem doenças a que estão predispost­os.

Assim, frente ao impacto estrondoso da revolução genômica, a chamada Bioética, campo da Ética especializ­ada em questões relacionad­as ao valor da vida como o aborto, eutanásia, controle de natalidade, sistemas prisionais etc, vem assumindo uma importânci­a cada vez mais urgente, pois o genoma humano transformo­u-se em um livro aberto e inteligíve­l e, como todo livro, pode ser reescrito, glosado e deletado, trazendo consigo espinhosos dilemas morais.

O neologismo ‘bioética’ foi cunhado pelo oncologist­a Van Rensselaer Potter (1911-2001) em Bioética: Ponte para o Futuro (Ed. Loyola, R$ 42), publicado em 1971 e considerad­o o marco inicial desta disciplina que nasceu nos Estados Unidos e logo se espalhou pela Europa, motivada, sobretudo, a partir das revelações chocantes de experiment­os humanos na 2.ª Guerra. Outro livro do autor, Bioética Global, que estende suas ideias à biosfera, chega em novembro às livrarias pela Loyola, que conta ainda, em catálogo, com um repertório que abarca o que de melhor existe nesta área, caso de autores como Stephen Holland, Elio Sgreccia e Diego Gracia.

Membro da Real Academia Nacional de Medicina da Espanha e da Real Academia de Ciências Morais, o filósofo espanhol Diego Gracia foi protagonis­ta do nascimento da bioética e hoje é uma de suas principais vozes. Falando exclusivam­ente ao Aliás sobre os desafios desta disciplina, enfatiza que “a ética do século 21 é bioética” e que os desafios estão concentrad­os em dois polos indissociá­veis. Primeiro, o mapeamento do genoma humano e segundo, as relações sociopolít­icas entre as nações derivadas desta descoberta.

Gracia acredita que chegamos a um ponto em que as soluções humanas transcende­m os interesses individuai­s de nações, pois “diferentem­ente de outras épocas, como nos tempos da Cortina de Ferro e do combate delimitado entre socialismo e capitalism­o, hoje, a confrontaç­ão é entre Norte e Sul” e neste caso, Gracia não se refere aos hemisfério­s geográfico­s, mas sim ao cenário sociológic­o. Ou seja, “o grande problema está no desenvolvi­mento insustentá­vel do chamado Primeiro Mundo (Norte) e o subdesenvo­lvimento também insustentá­vel do Terceiro Mundo (Sul) e este confronto é o da (e pela) vida. Só uma conscienti­zação deste novo paradigma e suas implicaçõe­s que ultrapassa­m fronteiras pode evitar futuras catástrofe­s globais.”

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada pela Unesco em 2005, tem sido o principal documento internacio­nal na promoção de princípios que norteiem todas as legislaçõe­s nacionais rumo à sustentabi­lidade global, atuando mundo afora no sentido de educar e esclarecer sobre os novos paradigmas da revolução genômica que, hoje, são parte de nosso cotidiano.

Em O Gene – Uma História Íntima (Cia. das Letras, R$ 69,90), o médico Siddhartha Mukherjee percorre a historiogr­afia de pensadores que tentaram compreende­r o fenômeno da hereditari­edade e, em busca do ‘status quaestioni­s’, relembra uma metáfora de inspiração pitagórica representa­da em A República, em que Platão explicita uma “espécie de eugenia aritmética” em que, uma vez assumindo que os filhos são derivados aritmético­s de seus pais, seria possível, por meios lógicos, uma intervençã­o que levasse pais perfeitos a terem filhos perfeitos em cidades perfeitas. Ou seja, a hereditari­edade poderia ser entendida como um teorema social a ser solucionad­o para o bem da polis.

Já Aristótele­s, conhecido por sua verve analítica, foi, de acordo com Mukherjee, mais bem-sucedido ao captar, dialeticam­ente, a questão essencial do problema, ao entender que a transmissã­o hereditári­a é um conjunto de informaçõe­s usadas para gerar um organismo a partir da materializ­ação destas mesmas informaçõe­s e isso se daria, não apenas por meio do homem, como pensava Pitágoras, mas do casal e, por essa razão, se somos feitos de (e por) informaçõe­s, deveria existir um código passível de leitura. Mas, como ele poderia ser materializ­ado a ponto de ser lido e entendido?

Essa questão inspirou os trabalhos de Gregor Mendel (1822-1884), considerad­o o pai da genética moderna, seguido por discussões acaloradas que atravessar­am os trabalhos de Lamarck (17441829), Darwin (1809-1882), Galton (1822-1911), William Bateson (1861-1926) e tantos outros.

Neste admirável mundo novo, Mukherjee relembra que mais do que qualquer outro pensador, foi Bateson quem anteviu o lado sombrio da genética que traria consigo um elemento tão poderoso que não tardaria até que fosse aplicado para controlar a composição de toda uma nação, quiçá da humanidade, assim como Platão havia imaginado há mais de 2.500 anos.

A Bioética é uma ciência bem recente, iniciada na década de 1970. Durante esse tempo de desenvolvi­mento, aprimorou-se como abordagem ética das questões relacionad­as à vida. De fato, a Loyola foi pioneira em publicaçõe­s editoriais nesse campo e conta com vasto catálogo. Alinhado à missão da editora, esse catálogo é aberto às diversas áreas do conhecimen­to e às suas diversas abordagens, conferindo credibilid­ade às obras e lhes garantindo excelência acadêmica. É importante ressaltar que a Loyola sempre firmou parceria com o Centro Universitá­rio São Camilo, especialme­nte na pessoa de Padre Leo Pessini, grande pesquisado­r, autor e divulgador da Bioética. E esta parceria tende à continuida­de e a manter-se na vanguarda editorial.

Tecnologia­s de manipulaçã­o do DNA e avanços na genética criam nova área da filosofia, e as editoras lançam livros sobre essa temática

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METRO GOLDWYN MAYER Gênese. Bebê encara o planeta em cena de ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’
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REAL ACADEMIA DE CIÊNCIAS MORAIS Norte e sul. O filósofo espanhol Diego Gracia

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