O Estado de S. Paulo

Voto pelo Catar causou ‘situação caótica’

Suíço fala da decisão de dar aos russos a Copa de 2018 e diz que ninguém verá seu nome citado no julgamento nos EUA

- Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa

Ex-dirigente culpa escolha do país do Oriente Médio no lugar dos EUA por crise da Fifa.

Se não fosse pela decisão de dirigentes de votar pela Copa do Mundo no Catar, o mundo do futebol não estaria no “caos” que se encontra hoje, com excartolas, entre eles o ex-presidente da CBF, José Maria Marin, detidos e em julgamento­s em uma corte de Nova York. Quem faz o diagnóstic­o é Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa e que esteve no epicentro da maior crise na instituiçã­o. Em entrevista ao Estado, o suíço fala da preparação para o Mundial de 2018, na Rússia, da Copa de 2014 no Brasil e a lógica política de levar o torneio para Moscou.

Com 81 anos, sua voz já não é mais a mesma, mas ele diz continuar ativo. O suíço promete lançar um livro antes da Copa do Mundo, com novas revelações sobre o que teria ocorrido em seus anos na Fifa. E ele afirma: haverá um capítulo inteiro sobre o Brasil. Confira os principais trechos:

O que significa levar a Copa para a Rússia?

Pela rotação das Copas do Mundo, era óbvio que 2018 seria na Europa. Com a decisão que tomamos no dia 2 de dezembro de 2010, com duas escolhas de sedes de Copa, ficou também estabeleci­do pela regra de rotação que a Copa de 2022 deveria ir para a Concacaf. Por decisão de realizar uma rotação, primeiro fomos para a Ásia e depois fomos para a África. Mas depois era a vez da Europa. O Leste Europeu nunca tinha tido uma Copa. O único grande evento que a Rússia teve foi a Olimpíada de 1980. Houve então um consenso: sim, vamos para a Rússia. Mas a decisão estava ligada à decisão de levar a Copa de 2022 para os EUA.

Qual era a lógica disso? Existiam duas lógicas. A primeira era a de garantir que, ao tomar a decisão sobre duas sedes de Copa, não apenas daríamos tempo suficiente para os organizado­res, mas para nossos parceiros de marketing e para as televisões. Outro ponto importante era que, se fôssemos para a Rússia e para os EUA, isso seria um sinal de geopolític­a. Se os dois grandes líderes da política internacio­nal, que não se gostam e isso nem é novidade, fizessem uma preparação conjunta, o futebol estaria construind­o pontes e trazendo as pessoas juntas.

E o que ocorreu?

Essa decisão fracassou. Isso ocorreu por conta da intervençã­o da política francesa, do presidente da França (Nicolas Sarkozy), que se encontrou com o príncipe herdeiro do Catar e que hoje é o emir. Michel Platini veio até mim e me disse: “Desculpe-me, não posso garantir mais meus votos para os EUA”. Isso parou essa ideia. Se isso tivesse ocorrido, não estaríamos nessa situação caótica como está ocorrendo nos EUA, com o julgamento.

Que ensinament­os o Mundial de 2018 e a Rússia levam do Brasil em 2014?

Deve-se aprender com o predecesso­r. E isso ocorre nos Jogos Olímpicos. Mas não estou tão convencido de que os russos aprenderam algo sobre o Brasil. Sabe, no início, o Brasil queria disputar a Copa do Mundo em 17 estádios. E tivemos de cortar isso para 12 estádios.

Mas o que eles alegaram para justificar 17 sedes?

Eles queriam usar a Copa para dar a diferentes cidades estádios de Mundiais para a promoção do futebol. O futebol é como uma religião no Brasil.

Mas alguns desses estádios no Brasil hoje estão vazios...

Claro. Isso é porque eles queriam levar para todas as regiões. Foi o mesmo na África do Sul. Na Coreia, eles também jogam em estádios vazios. Isso não é bom. Olha, na África, jogamos em dez estádios. Funcionou, era suficiente.

Então foi uma decisão política? Essa foi uma decisão política. É a dimensão política de nosso esporte.

Quem são os favoritos para vencer a Copa de 2018?

O Brasil se renovou e agora tem essa estrela incrível que é Neymar. Na Europa, eu assisti outro dia França e Alemanha. E devo dizer que a França tem um time absolutame­nte incrível. São jovens, rápidos e ágeis. É um prazer vê-los jogar. No final, todos dizem que a Alemanha sempre ganha. A Espanha está mais velha. Na África, se eles forem bem preparados, a Nigéria poderia ser um desses grandes times. Na Ásia, ninguém dominou e espero que um dia o Japão possa ter um time forte. Mas acho que o campeão vai estar entre o Brasil, França e Nigéria.

O senhor citou Neymar. Ele pode ser o melhor do mundo? No Barcelona, ele era uma estrela. Mas eles tinham a velha estrela lá. Agora, ele pode mostrar seu verdadeiro talento.

A um preço de ¤ 222 milhões , ele mudou o futebol?

Essa não era a transferên­cia, era apenas o preço de rescisão do contrato. Se alguém pagou, foi obviamente o estado do Catar que o fez. Compare com uma pintura de Da Vinci, de uns US$ 400 milhões – a pessoa que o comprou vai esconder a obra para que não seja roubada. Já o Neymar pode ser visto duas vezes por semana em todo o mundo pela televisão. Temos que comparar um pouco esse valor.

Como é sua vida hoje?

Tive de passar por algumas intervençõ­es em minhas costas, em meu joelho. Nunca havia feito nada. Agora, estou me movendo bem de novo. Agora dou conferênci­as e palestras para universida­des, estudantes e organizaçõ­es esportivas. Estou agora preparando um novo livro que será publicado antes da Copa. Será um livro que vai descrever o que ocorreu na Fifa. Ele sairá em diferentes línguas ao mesmo tempo e estou ainda trabalhand­o nele. Estou vivendo entre Zurique e Valais. Mas não estou viajando ao exterior. Fiz isso tantas vezes na minha vida e estou muito feliz em estar aqui.

O senhor trará informaçõe­s sobre o Brasil em seu livro? Sim. Haverá um capítulo inteiro sobre o Brasil.

O processo na corte nos EUA, o senhor está acompanhan­do? Claro que estou seguindo.

Alguma ideia sobre o que pode ocorrer?

Não.

O nome do senhor não foi mencionado...

Por que é que deveria ter sido mencionado? Não estou nesse assunto. Meu princípio é de que nunca se deve aceitar dinheiro que não seja merecido normalment­e.

O senhor ficou surpreso com as revelações feitas até agora no tribunal?

Bom... São declaraçõe­s feitas agora, especialme­nte sobre uma pessoa que já morreu (Julio Grondona). Olhe, todos estão tentando salvar suas cabeças ali e acusar os demais. Mas ninguém pode me acusar. Você não vai ver ninguém me acusando, pois eu realmente não estou envolvido nisso.

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ARND WIEGMANN/REUTERS
 ?? ARND WIEGMANN/REUTERS-20/7/2015 ?? Histórias da Fifa. Joseph Blatter promete terminar seu livro e lançá-lo antes do início da Copa do Mundo de 2018, na Rússia
ARND WIEGMANN/REUTERS-20/7/2015 Histórias da Fifa. Joseph Blatter promete terminar seu livro e lançá-lo antes do início da Copa do Mundo de 2018, na Rússia

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