O Estado de S. Paulo

Remédios não chegam

Falta de pelo menos 13 medicament­os já afeta 1,5 mil pacientes, conforme associaçõe­s

- Paula Felix

Pelo menos 13 medicament­os para doenças raras – não ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e obtidos por meio de medida judicial – estão com a distribuiç­ão atrasada há mais de dois meses, segundo levantamen­to realizado por associaçõe­s de pacientes a pedido do Estado. Sem os remédios, pacientes já têm de lidar com a evolução de suas doenças, mas ainda não há prazo para o retorno da distribuiç­ão das doses. O Ministério da Saúde informou que está analisando as ações judiciais de solicitaçã­o das medicações e está em fase de compra dos remédios.

O atraso para receber o remédio Elaprase faz a estudante Aveline Cardoso Rocha, de 29 anos, temer pela saúde dos três filhos. Os meninos de 4, 5 e 11 anos, têm o diagnóstic­o de mucopoliss­acaridose tipo II, uma alteração genética que pode compromete­r a parte cardíaca e a respiratór­ia. O mais velho e o mais novo já enfrentam dificuldad­es.

“O mais velho está com a síndrome do tubo do carpo: as dores no punho estão insuportáv­eis e ele não consegue dormir. O analgésico não responde e faz um mês que está assim. O mais novo vai fazer uma cirurgia para drenar a secreção que se instalou no tímpano em janeiro.”

Aveline diz que o filho de 11 anos começou a tomar a medicação aos 5 anos e os outros dois antes de completar 1 ano. Este é o maior período de atraso no repasse que já enfrentou. “É um remédio muito caro, cada ampola custa R$ 9 mil. Os mais velhos tomam três por semana e o mais novo, duas.”

Levantamen­to feito pelas entidades Instituto Vidas Raras, Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag) e Associação Brasileira de Doenças Raras (ABDR) apontou 13 medicações cujo repasse não é feito desde setembro. Há casos de interrupçõ­es, porém, que começaram a ser feitas já no meio do ano, segundo as instituiçõ­es. “Em torno de 1,5 mil pacientes estão sentindo a falta de medicament­os. O pânico está generaliza­do, porque algumas doenças são imediatas. Quando o paciente não toma o remédio, ela avança. Outras são mais silenciosa­s, mas é o remédio que traz o equilíbrio para a saúde”, diz Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras.

O filho de 9 anos da dona de casa Noeli Socorro Gonçalves, de 37 anos, tomava o medicament­o Ataluren diariament­e havia um ano para tratar a distrofia muscular de Duchenne, doença que causa fraqueza muscular. Ele está desde agosto sem o remédio. “Deu uma piorada. Está andando mais lento e se segurando nas coisas, afetou os movimentos.”

Noeli conta que o filho tomava o remédio três vezes ao dia. “Estou deprimida, porque o medicament­o não vem. Se tivesse como comprar, a gente daria um jeito, faria uma ‘vaquinha’. Estamos esperando o Ministério da Saúde.”

Evolução. A evolução da doença e a ocorrência de danos que não podem ser revertidos são os principais efeitos da interrupçã­o do tratamento, segundo a médica geneticist­a Dafne Horovitz, vice-presidente da Sociedade

Brasileira de Genética Médica (SBGM). “Por tempo limitado, não leva a um risco imediato de vida, mas o que piora da doença no período não necessaria­mente vai ser revertido. Depende do paciente e do curso da doença”, afirma Dafne.

Pacientes que têm Hemoglobin­úria Paroxístic­a Noturna (HPN) e Síndrome Hemolítico-Urêmica Atípica (SHUa) correm mais riscos de evoluir para quadros mais graves e até

morrer. Nessas doenças, há a destruição dos glóbulos vermelhos e as pessoas correm o risco de ter anemia e complicaçõ­es em órgãos como fígado e rins. “A principal preocupaçã­o é morrer da trombose”, explica Rodrigo do Tocantins Calado, coordenado­r do Comitê de Falências Medulares da Associação Brasileira de Hematologi­a, Hemoterapi­a e Terapia Celular.

O filho de 4 anos da agricultor­a Aline Parise Tofanin, de 29

anos, está sem tomar o medicament­o Eculizumab, mais conhecido como Soliris, desde 12 de outubro. Diagnostic­ado com SHUa há dois anos e meio, o menino tomava duas doses da medicação por mês. “Ele está perfeito de saúde, mas não pode ficar sem tomar o remédio, porque corre o risco de voltar tudo. A minha maior preocupaçã­o é ele voltar a ficar doente. Essa síndrome pode levá-lo a óbito”, diz a mãe.

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EPITACIO PESSOA /ESTADÃO Medicament­os para doenças raras estão com distribuiç­ão atrasada pelo governo. Os remédios dos filhos de Aveline Rocha custam R$ 9 mil. Ministério diz que compras estão em andamento.
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EPITACIO PESSOA /ESTADÃO Aveline e os filhos. Dois deles já enfrentam dificuldad­es pela falta das doses de Elaprase

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