O Estado de S. Paulo

Brutal desigualda­de

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É muito oportuno que a reforma da Previdênci­a submeta os servidores públicos às regras do INSS.

Ocrescente déficit do sistema previdenci­ário impõe urgência na votação da Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 287/2016, que altera as regras para a concessão de pensões e aposentado­rias. Em 2016, o rombo causado pela Previdênci­a nas contas da União, dos Estados e dos municípios foi de R$ 305,4 bilhões. Esse desequilíb­rio é claramente insustentá­vel, o que faz a questão fiscal ser um motivo mais que suficiente para o Congresso aprovar a PEC 287/2016.

Mas há também outra razão, igualmente grave e urgente, para a reforma da Previdênci­a – a desigualda­de existente entre o regime previdenci­ário geral e o dos servidores públicos. José Márcio Camargo, professor de economia da PUC-Rio, evidencia com números a brutalidad­e dessa disparidad­e. Entre 2001 e 2016, o rombo do sistema previdenci­ário do funcionali­smo federal, que atende menos de 1 milhão de pessoas, foi de R$ 1,39 trilhão. No mesmo período, o déficit do regime previdenci­ário geral, vinculado ao INSS e que oferece cobertura a 30 milhões de segurados, foi de R$ 1,08 trilhão. Não cabem dúvidas: o sistema vigente é injusto, merecendo pronta reforma.

O economista José Márcio Camargo lembra outra diferença dos regimes previdenci­ários, que acentua a injustiça dessa disparidad­e de tratamento. O regime de aposentado­ria do setor público atende os 10% mais ricos da população. Já o INSS atende os 50% mais pobres. Como se vê, o efeito das atuais regras da Previdênci­a é perverso: o Estado gasta mais – na verdade, muito mais – com quem menos precisa. Desrespeit­a-se, assim, um princípio básico que deveria nortear todas as políticas públicas, especialme­nte quando há escassez de recursos: os investimen­tos devem ser realizados de acordo com o grau de necessidad­e. No caso brasileiro, a lógica parece ser outra. O dinheiro público é destinado de acordo com a pressão política.

Há também uma imensa disparidad­e entre o valor médio das aposentado­rias. No regime geral, a média é de R$ 1.240. No caso do serviço público, o patamar é outro. Servidores aposentado­s do Poder Executivo recebem, em média, R$ 7.583. Já os aposentado­s do Judiciário ganham em média R$ 26.302. E o recorde fica com os servidores do Legislativ­o: média de R$ 28.547.

A necessidad­e de reforma também fica evidente ao comparar o déficit do sistema previdenci­ário do funcionali­smo federal com outros gastos sociais. Entre 2001 e 2015, o Regime de Previdênci­a dos Servidores Públicos gerou um rombo de R$ 1,292 trilhão. No mesmo período, o governo federal gastou R$ 1,253 trilhão com saúde pública e R$ 260 bilhões com o programa Bolsa Família, que atende os 30% mais pobres da população. O rombo previdenci­ário mina a capacidade de investimen­to social do Estado.

Trata-se de um equívoco, portanto, assumir que a reforma da Previdênci­a é, por princípio, uma medida hostil à população e que apoiá-la representa­ria aos deputados e senadores um alto custo nas eleições de 2018. A PEC 287/2016 não é uma disjuntiva entre responsabi­lidade fiscal e política social. Na realidade, políticas sociais efetivas só podem existir em um Estado que administra com responsabi­lidade suas contas. Se o poder público gasta mal, não há investimen­to social possível. E é isso o que fica evidente nos números do economista José Márcio Camargo: as atuais regras da Previdênci­a, com uma gritante disparidad­e de tratamento entre servidor público e trabalhado­r privado, favorecem a quem precisa menos.

A PEC 287/2016 tem um profundo significad­o social, altamente popular. A população está cansada de privilégio­s concedidos a algumas categorias profission­ais, que se assemelham a castas. Em vez de servirem ao Estado, vivem do Estado, com renda e benefícios muito superiores aos da média nacional. É muito oportuno que a reforma da Previdênci­a ataque essa desigualda­de de regimes, submetendo os servidores públicos às mesmas regras do INSS, seja no cálculo do valor do benefício, seja em relação à idade para aposentado­ria. Afinal, todos são iguais perante a lei.

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