O Estado de S. Paulo

O sufoco burocrátic­o

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No mais recente ranking Doing Business, pelo qual o Banco Mundial avalia o ambiente de negócios em todo o mundo, o Brasil classifico­u-se no 125.º lugar, abaixo de muitos de seus vizinhos latino-americanos, de Gana, Uganda, Tajiquistã­o e Irã. O baixo desempenho deve-se, entre outros fatores, ao emaranhado cipoal de leis e regulament­os, à notória dificuldad­e para calcular e pagar impostos e à sufocante burocracia estatal. Apesar das reformas que o governo tem procurado fazer, ano após ano a situação praticamen­te não melhora.

A última pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), em parceria com o Instituto Brasileiro de Certificaç­ão e Monitorame­nto (Ibracem), aponta que 86,2% das empresas instaladas no País apresentam pelo menos uma irregulari­dade, desde tributos a recolher em algum dos três níveis de governo e pendências trabalhist­as até a falta de registros ou licenças para cumprir exigência de algum órgão público.

A pesquisa baseou-se em informaçõe­s prestadas por 2.550 empresas de 15 ramos de atividade. Apurou-se que, por mais controles que a empresa adote, buscando sempre atualizars­e quanto às mudanças de legislação, erros ou omissões só vêm à tona quando a firma é objeto de autuação.

“O problema é estrutural, não conjuntura­l”, afirma Robson Gonçalves, coordenado­r da pesquisa. “É preciso questionar quanto o volume de burocracia afeta os negócios. Há tributos, por exemplo, que mudam em cada Estado e isso foge do controle.” Como ele observa, nem sempre as falhas são de difícil correção. Basta um número ou código não verificado, omissão desproposi­tada de um registro ou uma informação incompleta para que a empresa venha a ser computada como infratora pelo índice da FGV-Ibracem.

Há ainda o temor das empresas de serem processada­s na Justiça. Noticia-se, por exemplo, que para atender a clientela no fim de ano o comércio pretende contratar pessoal provisoria­mente, mas muitos estabeleci­mentos não sabem se podem fazê-lo pelo regime de trabalho intermiten­te, previsto na reforma da legislação trabalhist­a, cujo sentido é desburocra­tizante, reduzindo o número de processos na Justiça do Trabalho. As empresas estão à espera de uma decisão judicial específica, à falta de uma regulament­ação.

Na área tributária, a situação é ainda mais complexa. Segundo diz o advogado tributaris­ta Rafael Presotto, nem mesmo a existência nas empresas de setores exclusivam­ente dedicados ao controle contábil e administra­tivo e a contrataçã­o de consultori­as externas garantem a inexistênc­ia de irregulari­dades. Isso ocorre porque não há uniformiza­ção de entendimen­to com relação à cobrança de tributos no País, e não é por acaso que temos uma guerra fiscal.

Tudo é pior para as pequenas e médias empresas, que não têm condições financeira­s para manter uma estrutura para lidar com suas obrigações tributária­s e trabalhist­as e que são taxadas de forma desproporc­ional. Não é por outra razão que há tantos empreendim­entos na informalid­ade e que seja bastante elevado o índice de inadimplên­cia de pequenas empresas, mesmo com adoção do Sistema Simplifica­do de Tributação (Simples Nacional).

Há economista­s que consideram que, dada a má qualidade do sistema tributário nacional, uma reforma não bastaria, sendo necessário introduzir um processo inteiramen­te novo. De qualquer forma, seria um grande avanço se medidas bem elaboradas fossem adotadas para resolver grande parte dos problemas, para permitir a eliminação de distorções hoje patentes, como a alta carga tributária, a cumulativi­dade dos impostos e a oneração indireta de exportaçõe­s e de investimen­tos produtivos, além da adoção de critérios uniformes para a cobrança de impostos nos três níveis de governo.

Sem tais medidas, a ocorrência de irregulari­dades continuará a ser muito elevada, ocasionand­o perdas financeira­s que certamente prejudicam o desempenho da economia brasileira e a tornam menos atrativa para investidor­es externos.

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