O Estado de S. Paulo

Única solução pacífica e civilizada possível é cumprir ordem judicial

- Pedro Serrano

As razões da atual crise entre os Poderes são complexas e multifator­iais, falaremos de algumas. Primeiro há que se reconhecer que a estrutura funcional do Estado brasileiro, sua engenharia, padece de problemas por causa de uma crise de identidade de modelo, optamos por um mix entre o modelo de controle de constituci­onalidade europeu, por cortes constituci­onais, que representa­m os Poderes, logo, se pondo acima deles e controland­o em abstrato a validade de atos de todos eles e o modelo americano, que realiza o controle a partir de casos concretos julgados pelo Judiciário e que vinculam tribunais inferiores, mas que não tem o condão de invalidar em abstrato leis e atos legislativ­os, como bem aponta Nelson Nery.

Assim o Judiciário, embora sendo um dos Poderes da República, que deveria guardar harmonia com os demais, acabou sendo posto num papel superior, podendo controlar abstratame­nte a validade de leis e atos normativos face à Constituiç­ão. De fato perdemos a chance em 1988 de criar uma corte constituci­onal, composta por julgadores indicados pelos três Poderes, que representa­sse a sociedade e controlass­e abstratame­nte a validade constituci­onal de atos dos Poderes indistinta­mente.

A este problema estrutural se agrega o conjuntura­l, do ativismo judicial, que tem levado o Judiciário a interpreta­r a Constituiç­ão segundo crenças privadas do julgador e não face ao sentido do texto normativo, passando o Judiciário, muitas vezes, a um papel político instaurado­r e não se autoconten­do nos limites jurídicos de interpreta­ção das normas postas.

Tal patologia tem gerado de um lado o Judiciário invadindo competênci­as do Legislativ­o e reduzindo a esfera constituci­onal de prerrogati­vas parlamenta­res, de outro, o Legislativ­o descumprin­do ordens do Judiciário, o que não pode ser admitido.

Por óbvio, no crepitar emocional da crise, ocorrem exageros verbais de lado a lado, em especial no âmbito estadual dos conflitos, gerando expressões no mínimo açodadas como intervençã­o federal etc., o que em nada contribui para que a crise seja debelada.

Quando o STF toma esse tipo de decisão, que invade a esfera parlamenta­r, é natural que os tribunais inferiores decidam nesse sentido. Pode-se processar o parlamenta­r na forma posta pela Constituiç­ão, mas não se deve prendê-lo fora da hipótese de flagrante delito inafiançáv­el nem afastá-lo do mandato. Não se pode outorgar ao Judiciário o poder de suprimir um mandato popular, sob pena de compromete­r o equilíbrio entre os Poderes.

Decisões judiciais podem e devem ser criticadas, mas também devem ser obedecidas por maior que possa ser a crítica, podendose perder o que ainda nos resta de democracia. Não há solução pacífica e civilizada possível sem o cumpriment­o de ordem judicial.

É PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCI­ONAL DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDA­DE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

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