Única solução pacífica e civilizada possível é cumprir ordem judicial
As razões da atual crise entre os Poderes são complexas e multifatoriais, falaremos de algumas. Primeiro há que se reconhecer que a estrutura funcional do Estado brasileiro, sua engenharia, padece de problemas por causa de uma crise de identidade de modelo, optamos por um mix entre o modelo de controle de constitucionalidade europeu, por cortes constitucionais, que representam os Poderes, logo, se pondo acima deles e controlando em abstrato a validade de atos de todos eles e o modelo americano, que realiza o controle a partir de casos concretos julgados pelo Judiciário e que vinculam tribunais inferiores, mas que não tem o condão de invalidar em abstrato leis e atos legislativos, como bem aponta Nelson Nery.
Assim o Judiciário, embora sendo um dos Poderes da República, que deveria guardar harmonia com os demais, acabou sendo posto num papel superior, podendo controlar abstratamente a validade de leis e atos normativos face à Constituição. De fato perdemos a chance em 1988 de criar uma corte constitucional, composta por julgadores indicados pelos três Poderes, que representasse a sociedade e controlasse abstratamente a validade constitucional de atos dos Poderes indistintamente.
A este problema estrutural se agrega o conjuntural, do ativismo judicial, que tem levado o Judiciário a interpretar a Constituição segundo crenças privadas do julgador e não face ao sentido do texto normativo, passando o Judiciário, muitas vezes, a um papel político instaurador e não se autocontendo nos limites jurídicos de interpretação das normas postas.
Tal patologia tem gerado de um lado o Judiciário invadindo competências do Legislativo e reduzindo a esfera constitucional de prerrogativas parlamentares, de outro, o Legislativo descumprindo ordens do Judiciário, o que não pode ser admitido.
Por óbvio, no crepitar emocional da crise, ocorrem exageros verbais de lado a lado, em especial no âmbito estadual dos conflitos, gerando expressões no mínimo açodadas como intervenção federal etc., o que em nada contribui para que a crise seja debelada.
Quando o STF toma esse tipo de decisão, que invade a esfera parlamentar, é natural que os tribunais inferiores decidam nesse sentido. Pode-se processar o parlamentar na forma posta pela Constituição, mas não se deve prendê-lo fora da hipótese de flagrante delito inafiançável nem afastá-lo do mandato. Não se pode outorgar ao Judiciário o poder de suprimir um mandato popular, sob pena de comprometer o equilíbrio entre os Poderes.
Decisões judiciais podem e devem ser criticadas, mas também devem ser obedecidas por maior que possa ser a crítica, podendose perder o que ainda nos resta de democracia. Não há solução pacífica e civilizada possível sem o cumprimento de ordem judicial.
É PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)