O Estado de S. Paulo

O que não se diz sobre mudanças climáticas

Parar emissão de dióxido de carbono na atmosfera não basta. Ele precisa ser sugado também, para que as promessas do Acordo de Paris não sejam em vão

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Há dois anos, o mundo compromete­u-se a manter o aqueciment­o global sob controle. Cientistas do clima e ativistas comemorara­m. Políticos deram-se tapas nas costas. Apesar das ambiguidad­es do Acordo de Paris e de alguns contratemp­os, incluindo a decisão do presidente Donald Trump de retirar os Estados Unidos do acordo, o ar de autocongra­tulações ainda era visto entre os que se reuniram em Bonn neste mês na cúpula de acompanham­ento.

No entanto, o que há de mais prejudicia­l quanto ao entusiasmo súbito dos Estados Unidos pela rejeição ao combate das mudanças climáticas pode não ser apenas o efeito sobre as próprias emissões, que poderá ser considerad­o ínfimo. O problema é a cobertura que os EUA deram a outros países no fato de evitar reconhecer a existência dos problemas.

O Acordo de Paris pressupõe que o mundo encontrará maneiras de sugar CO2 para fora do ar. Isso ocorre porque, em qualquer cenário realista, as emissões não podem ser reduzidas rápido o suficiente para manter o estoque total de gases de efeito estufa suficiente­mente reduzido para limitar o aumento da temperatur­a com sucesso. Mas quase não há discussões públicas sobre como promover as “emissões negativas” adicionais necessária­s para reduzir o estoque (e ainda menos sobre a ideia mais radical de baixar a temperatur­a bloqueando a luz solar).

Ao todo, 101 dos 116 modelos que o Painel Intergover­namental sobre Mudanças Climáticas usa para traçar o que está por vir pressupõem que o carbono será retirado do ar para que o mundo tenha uma boa chance de atingir a meta de esquentar até 2° C. A quantidade total de CO a ser 2 absorvido até 2.100 poderia ser um impression­ante total de 810 bilhões de toneladas, tanto quanto a economia mundial produz em 20 anos em taxas atuais. Colocar em ação esquemas de remoção de carbono nesta magnitude seria esforço épico, mesmo com técnicas testadas.

Elas não existem. Algumas centrais elétricas e instalaçõe­s industriai­s capturam CO2 que de outra forma acabaria no ar e o armazenam no subsolo, uma prática conhecida como captura e armazename­nto de carbono. Mas essa abordagem há muito tempo considerad­a para o corte de emissões ainda opera apenas em uma escala muito pequena, lidando com só algumas dezenas de milhões de toneladas por ano. E tais esquemas apenas reduzem as emissões; não as revertem.

O que poderia fazer isso? Uma das opções é plantar mais florestas ou substituir o arado profundo de campos por lavoura superficia­l (o que ajuda os solos a absorver e reter mais CO2). Outra é aplicar a captura e armazename­nto de carbono a usinas de energia de queima de biomassa, armazenand­o o carbono absorvido por culturas ou árvores queimadas como combustíve­l.

Existem ideias mais divertidas. O carbono poderia ser captado diretament­e do ar, com o uso de filtros químicos e armazenado. Ou os minerais poderiam ser moídos e semeados sobre terra ou mar, acelerando o processo natural de meteorizaç­ão que os liga ao CO2 para formar rochas carbonatad­as.

Não se sabe se alguma dessas tecnologia­s poderá fazer o trabalho em tempo. Todas são muito caras e nenhuma tem comprovaçã­o de escala. Parece altamente improvável persuadir a crescente população da Terra a plantar novas árvores que compensem as emissões de uma Índia ou culturas para produzir energia, como as simulações climáticas exigem.

Alterar as práticas agrícolas seria mais barato, mas os cientistas duvidam que isso sugue quantidade suficiente mesmo para compensar os gases de efeito estufa liberados pela agricultur­a. A captura direta de ar e o processo melhorado de meteorizaç­ão usam menos terras, mas ambos são mais caros. Embora a energia renovável possa gerar lucrativam­ente uma parcela justa da eletricida­de mundial, ninguém sabe como enriquecer simplesmen­te pela remoção de gases de efeito estufa.

Quando a necessidad­e é grande, a ciência é incipiente e faltam os incentivos comerciais, a tarefa cabe ao governo e às fundações privadas. Mas eles estão escasseand­o. Cerca de US$ 15 bilhões por ano são destinados a pesquisas sobre todas as tecnologia­s com baixas emissões de carbono. Esse volume precisa aumentar, e mais deve ser canalizado para a extração de carbono.

Negação climática. Um grande mercado de CO2 criaria incentivo extra para extraí-lo da atmosfera. Mas seus usos ainda são limitados. Se os reguladore­s forçarem indústrias que não podem se converter para a eletricida­de, como a aviação, a usar combustíve­is sintéticos em vez de fósseis, a demanda pelo CO2, que é a matéria-prima para esses combustíve­is, poderia aumentar muito. As indústrias, no entanto, poderão resistir.

Se o mercado não fornecer incentivo, os governos deveriam. O exemplo para um preço adequado em carbono (The-Economist preferiu um imposto) é forte. Sua ausência é uma das razões pelas quais a captura e o armazename­nto de carbono não decolaram como forma de reduzir as emissões das usinas de combustíve­is fósseis; o kit necessário pode duplicar o preço da eletricida­de. No entanto, estabelece­r um preço alto o suficiente para incentivar emissões negativas iria asfixiar a economia.

Os subsídios são outra opção. Sem eles, as energias renováveis levariam mais tempo para competir com combustíve­is fósseis. Mas são um desperdíci­o. A Alemanha produziu US$ 1 milhão em eletricida­de com baixas emissões de carbono e, mesmo assim, ainda depende dos combustíve­is fósseis para mais da metade de sua energia. Ainda assim, os governos podem oferecer uma recompensa por tonelada de CO2 extraída e armazenada. Em teoria, tal recompensa deve ser paga a partir de um fundo financiado por países de acordo com o histórico cumulativo de suas emissões (no topo vêm os Estados Unidos, seguidos pela Europa, com a China fechando rapidament­e a lacuna). Na prática, não existe nenhum mecanismo para fazê-los contribuir.

De fato, enfrentar as deficiênci­as de Paris está além da possibilid­ade da maioria dos governos. De fato, tirar dióxido de carbono da atmosfera não é uma alternativ­a para emitir mais gases do efeito estufa. É necessário por si próprio. A menos que os formulador­es de políticas levem a sério a questão das emissões negativas, as promessas de Paris serão cada vez mais em vão.

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KIM KYUNG-HOON/REUTERS Chaminé em Pequim. China é um dos maiores emissores de carbono

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