O Estado de S. Paulo

Lasar Segall revisitado

Obras exibidas em 1937 estão no museu do pintor.

- Antonio Gonçalves Filho

Em 1937, o pintor Lasar Segall (1891-1957) teve obras confiscada­s pelo regime nazista expostas na histórica mostra Entartete Kunst (Arte Degenerada), realizada em julho daquele ano em Munique. Tomando emprestado um termo médico (Entartung) para decretar, em tom depreciati­vo, toda a arte que não comungava da cartilha do nacional-socialismo alemão – ou seja, ligada a movimentos de vanguarda ou praticada por artistas de origem judaica – o Reich reuniu nas estreitas salas do Hofgarten de Munique 650 obras confiscada­s de 32 museus e assinadas por artistas como Chagall, Otto Dix, Max Ernst, George Grosz, Paul Klee, Emil Nolde e Lasar Segall. Nos 80 anos da exposição alemã de “arte degenerada” e em clima de censura a artistas e exposições no Brasil, o Museu Lasar Segall abre neste sábado, 25, a mostra A ‘Arte Degenerada’ de Lasar Segall: Perseguiçã­o à Arte Moderna em Tempos de Guerra.

Primeira parceria do Museu Lasar Segall com o Museu de Arte Contemporâ­nea da USP (MAC), a exposição reúne 35 gravuras e uma grande tela de Segall, obras confiscada­s durante o nazismo de museus públicos alemães por ordem do poderoso Adolf Ziegler (1892-1959). Ziegler, que também era pintor (acadêmico), ocupou diversos postos importante­s no Terceiro Reich, sendo nomeado pelo ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, em 1937, chefe da comissão que confiscou as obras para exibi-las em mostras itinerante­s como exemplo do tipo de arte que os nazistas não iriam tolerar na Alemanha – telas cubistas, expression­istas etc..

Embora tenha sido programada em 2015, ou seja, dois anos antes dos recentes casos de fechamento da exposição Queermuseu e perseguiçõ­es a artistas e curadores no Brasil, a exposição, que tem como curadores Helouise Costa (do MAC) e Daniel Rincon (pesquisado­r do Museu Lasar Segall), é revestida de grande importânci­a histórica. Nela figura a tela Eternos Caminhante­s (1919), reproduzid­a nesta página e hoje no acervo do Museu Lasar Segall, que aparece no filme Arquitetur­a da Destruição (1989), documentár­io do sueco Peter Cohen sobre o uniformiza­dor projeto estético do nazismo.

Além da tela Eternos Caminhante­s, quatro outras obras de Segall estiveram na exposição de 1937 em Munique: as pinturas Amantes (hoje no acervo de um colecionad­or particular no Brasil) e Viúva (destruída), além das gravuras Mann und Weib (Homem e Mulher ), Zwei Schemen (Dois Esboços) e um álbum não identifica­do contendo seis páginas (segundo o curador Daniel Rincon, provavelme­nte o álbum Bubu, de 1921).

A exposição Arte Degenerada teve desdobrame­ntos no Brasil e no mundo, lembra a pesquisado­ra e curadora Helouise Costa, citando como exemplo de reação contra a mostra nazista uma exposição organizada pelo crítico Herbert Read em Londres, em 1938, e outra chamada Arte Condenada pelo Terceiro Reich, promovida em 1945 pela galeria carioca de Miécio Askanasy, judeu polonês amigo de Segall. “Na exposição alemã de 1937, obras artísticas eram apresentad­as como documentos amontoados de degeneraçã­o artística, como se pode ver no filme de Peter Cohen”, observa a curadora. “Em contrapart­ida, no dia anterior à abertura da mostra, Hitler inaugurou uma exposição montada com esmero na Haus der Kunst de Munique, museu concebido como uma resposta clássica à arte degenerada”, conclui, referindos­e ao monumental edifício do arquiteto Paul Ludwig Troost, aberto em 18 de julho de 1937 e ainda hoje em pé, servindo de salão de festas para a alta burguesia de Munique.

Exposições que seguiram o modelo da organizada por Miécio Askanasy em sua pioneira galeria moderna brasileira foram alvos de vandalismo, como a única mostra do Grupo Guignard na Escola Nacional de Belas Artes, em 1943, fechada por alunos conservado­res da instituiçã­o. Na mostra do Museu Lasar Segall será exibido um autorretra­to do pintor que teve um dos olhos perfurados por um intolerant­e simpatizan­te fascista numa dessas mostras (a tela foi restaurada). Ainda na mesma exposição, fotografia­s do austríaco Kurt Klagsbrunn mostram como os antifascis­tas se organizara­m para defender a democracia e a arte de vanguarda no Brasil. São imagens de uma força avassalado­ra. E um alerta.

Na mostra alemã de 1937, peças não foram exibidas como obras de arte, mas sim como provas de degeneraçã­o artística” Helouise Costa CURADORA

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Tela ‘Eternos Caminhante­s’ (1919) alude à condição dos judeus perseguido­s
FOTOS MUSEU LASAR SEGALL Exílio. Tela ‘Eternos Caminhante­s’ (1919) alude à condição dos judeus perseguido­s
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Ataque. Autorretra­to (1927) teve olho furado por vândalo

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